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» Volume 74

Número 4

http://dx.doi.org/

Critérios para avaliação da qualidade de coberturas de alginato no tratamento de feridas

RESUMO

Objetivos:

validar um instrumento com critérios para avaliação da qualidade de coberturas de alginato de cálcio para tratamento de ferida cutânea.

Métodos:

estudo metodológico, desenvolvido em duas etapas: elaboração de critérios para avaliação da qualidade da cobertura de alginato baseando-se na literatura; validação desses critérios por grupo de juízes em dois momentos. Os dados foram analisados por estatística descritiva, medidas de tendência central e Índice de Validação de Conteúdo.

Resultados:

selecionaram-se 7 artigos que respaldaram a elaboração de 7 critérios e 11 resultados esperados. O Índice de Validação de Conteúdo foi 0,98 na etapa 1 e 0,93 na etapa 2. Após ajustes, foram validados 8 critérios e 13 resultados esperados.

Considerações Finais:

o estudo permitiu validar critérios para avaliação da qualidade das coberturas de alginato de cálcio, direcionando a escolha dos enfermeiros com maior autonomia e assertividade.

Descritores:
Alginato; Feridas; Controle de Qualidade; Gestão de Recursos; Avaliação em Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to validate an instrument with criteria to evaluate the quality of calcium alginate wound dressings to treat skin injuries.

Methods:

methodological study, developed in two stages: the elaboration of criteria to evaluate the quality of the alginate wound dressing based on literature; validation of these criteria by a group of evaluators in two moments. Data was analyzed using descriptive statistics, central tendency measures and the Content Validity Index.

Results:

seven articles were selected, leading to the elaboration of 7 criteria and 11 expected results. The Content Validity Index was 0.98 in stage 1 and 0.93 in stage 2. After adjustments, 8 criteria were validated, and 13 results were expected.

Final Considerations:

the study allowed the validation of criteria to evaluate the quality of calcium alginate wound dressings, helping the nurses to choose with more autonomy and assertiveness.

Descriptors:
Alginates; Wounds and Injuries; Quality Control; Resource Allocation; Nursing Assessment

RESUMEN

Objetivos:

validar un instrumento con criterios para evaluación de la calidad de coberturas de alginato de calcio para tratamiento de herida cutánea.

Métodos:

estudio metodológico, desarrollado en dos etapas: elaboración de criterios para evaluación de la calidad de la cobertura de alginato basándose en la literatura; validación de esos criterios por grupo de jueces en dos momentos. Los datos fueron analizados por estadística descriptiva, medidas de tendencia central e Índice de Validez de Contenido.

Resultados:

seleccionaron 7 artículos que respaldaron la elaboración de 7 criterios y 11 resultados esperados. El Índice de Validez de Contenido fue 0,98 en la etapa 1 y 0,93 en la etapa 2. Después de ajustes, fueron validados 8 criterios y 13 resultados esperados.

Consideraciones Finales:

el estudio permitió validar criterios para evaluación de la calidad de las coberturas de alginato de calcio, encaminando la elección de los enfermeros con mayor autonomía y asertividad.

Descriptores:
Alginato; Técnicas de Cierre de Heridas; Control de Calidad; Gestión de recursos; Evaluación en Enfermería

INTRODUÇÃO

O tratamento de feridas no Brasil consiste em um importante problema de saúde pública. Existe um número expressivo de pessoas acometidas, principalmente entre a população idosa(1-2), além do tempo de evolução prolongado(2)) e do conhecimento incipiente de muitos profissionais de enfermagem sobre a avaliação da ferida e determinação de tratamentos adequados(3-4).

Ressalta-se que a ocorrência de feridas crônicas interfere diretamente na qualidade de vida dos pacientes, que lidam com a presença de dor, distanciamento social, dentre outros fatores que alteram o estilo de vida e impactam as atividades de vida diária(5). Nesse sentido, o enfermeiro apresenta papel fundamental no atendimento sistematizado e no tratamento de pacientes com feridas crônicas(3-4). O tratamento envolve, além da anamnese e do exame físico do paciente, a avaliação minuciosa da ferida e a escolha de coberturas interativas de acordo com a necessidade de cada estágio da ferida, otimizando, assim, o tratamento.

Na prática clínica, para o tratamento de pacientes com feridas agudas e crônicas, existem diversas modalidades de coberturas; entre as principais, estão os curativos de alginatos. Estes possuem apresentação em formatos de placas (planas e porosas) liofilizadas, ou em fita e cordão projetados para feridas com cavidade. Sua base é constituída de alginato de cálcio ou alginato de sódio e cálcio derivados de algas marinhas marrons(6-7).

As principais características do alginato de cálcio são a capacidade de absorção de exsudato de feridas moderadamente a muito exsudativas, a capacidade de manter o ambiente úmido, promovendo, assim, o desbridamento autolítico, e a capacidade hemostática em razão dos íons de cálcio presentes nos curativos, que ajudam a controlar sangramentos(6-7).

Apesar de seu potencial de ação ser conhecido, a escolha de uma cobertura de alginato de cálcio exige do enfermeiro o conhecimento sobre sua indicação adequada. Todavia, muitos profissionais desconhecem a indicação de coberturas utilizadas no tratamento de feridas. Um estudo realizado no estado do Rio de Janeiro, com 30 enfermeiros de uma unidade hospitalar de alta complexidade, revelou que a média “do saber” por enfermeiro, sobre a indicação de coberturas, foi inferior a 50%; e, especificamente sobre alginato de cálcio, apenas 10 profissionais sabiam sua indicação, dados que refletem a incipiência desse conhecimento(3).

Um estudo realizado na Divisão de Cirurgia Plástica de um hospital universitário de São Paulo discute a necessidade de conhecer - além dos mecanismos de ação de diferentes curativos - sua composição, indicações e desvantagens; e destaca a sistematização de critérios de “eleição” para a escolha do curativo objetivando a melhoria das condições do leito da ferida, para seu tratamento tanto definitivo (fechamento) quanto intermediário (p.ex., preparo para uma intervenção cirúrgica)(8).

Ressalta-se que a elaboração de critérios sistematizados para respaldar o uso da cobertura não se limita ao conhecimento apenas dos profissionais assistenciais, sendo extensível para aqueles que realizam licitações e compras de insumos nas instituições de saúde que atendem a pacientes com feridas. Isso porque, ao decidir qual produto comprar, é preciso o entendimento de que o uso inadequado ou um material de baixa qualidade podem ser prejudiciais ao tratamento.

Diferentemente das pesquisas laboratoriais acerca das características das coberturas de alginato de cálcio(9-10), na prática clínica, existe uma lacuna em relação às publicações referentes a critérios de avaliação de desempenho e qualidade dessas coberturas que sirvam para amparar sua escolha e aquisição pelas instituições de saúde para o tratamento dos pacientes com feridas. Isso levou à problemática deste estudo, que teve como pergunta norteadora: “Quais critérios de avaliação da qualidade das coberturas de alginato de cálcio devem ser considerados por enfermeiros no momento da aquisição desses produtos para tratamento de pacientes com feridas na prática clínica?”.

Este estudo estabeleceu critérios de avaliação da qualidade de coberturas de alginato de cálcio para amparar sua escolha no momento da aquisição pelos enfermeiros nos serviços de saúde, por serem, em sua maioria, os profissionais responsáveis pela validação, pela avaliação e pela compra de insumos. Além disso, tais critérios possibilitam conhecimento específico, raciocínio crítico, segurança e autonomia a esses profissionais, bem como subsídios para a tomada de decisão na prática do cuidado aos pacientes com feridas, visando à otimização da terapêutica de pacientes que utilizam alginato de cálcio de maneira direcionada e individualizada.

OBJETIVOS

Estabelecer e validar critérios para avaliação da qualidade de coberturas de alginato para tratamento de feridas.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de ética e Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Desenho, período e local do estudo

Trata-se de estudo metodológico, desenvolvido pela coordenadora e duas alunas da pósgraduação lato sensu do curso de Especialização em Estomaterapia da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais; por uma aluna do curso de graduação em Enfermagem; e dois alunos da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado). Realizou-se entre os meses de janeiro e junho de 2020, em duas etapas.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

Na etapa 1, foi feita revisão da literatura para estabelecimento de critérios de avaliação da qualidade das coberturas de alginato utilizadas no tratamento de feridas. Adotaram-se como critérios de inclusão: apresentar características das coberturas de alginato; estar disponível na íntegra, e não apenas em resumo, independentemente de possuir acesso gratuito; estar nos idiomas inglês, português e espanhol; ter sido publicado no período de 2012 a 2019. O recorte temporal de sete anos foi determinado a fim de recuperar artigos recentes sobre a temática, apesar de estudos que abordam as propriedades das coberturas de alginato serem desenvolvidos desde a década de 1990. Foram excluídos: capítulos de livros, teses, dissertações, monografias, relatórios técnicos e artigos que, após leitura do resumo, não convergiam com objeto de estudo proposto, além das publicações que se repetiram nas bases de dados e biblioteca virtual.

A etapa 2 caracterizou-se pela validação dos critérios e resultados esperados por um comitê composto por nove juízes, sendo sete enfermeiros e dois pacientes. Os critérios para inclusão dos juízes foram: profissionais especialistas, ou com experiência clínica maior de dois anos no atendimento a pacientes com ferida, ou inseridos em órgãos de padronização, participação na licitação e compra de insumos relacionados. Foram incluídos os pacientes com ferida ativa ou cicatrizada e com experiência de utilização de alginato de cálcio em seu tratamento. A escolha dos usuários como parte do corpo dos juízes pautou-se no fato de que, apesar de não apresentarem conhecimento acadêmico e científico sobre a temática, sus participação é importante por possuírem conhecimento de quem utiliza o produto no tratamento da própria ferida.

Os critérios de exclusão foram: profissionais com conflito de interesse, como aqueles inseridos em alguma empresa ou fabricante da cobertura em análise; ou pesquisador que estivesse desenvolvendo pesquisa com financiamento proveniente de empresa ou fabricante.

Protocolo do estudo

A busca por estudos, na etapa 1, ocorreu nas bases de dados: Cochrane, (Scientific eletronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), MEDLINE (National Library of Medicine, EUA), INI (International Nursing Index), CINAHL (Cummulative Index to Nursing and Allied Health Literature) e o Portal de Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Os resultados da busca e seleção dos estudos estão representados na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos estudos para elaboração dos critérios de avalição da qualidade da cobertura de alginato de cálcio

Na etapa 2, os profissionais receberam um formulário por endereço eletrônico, e os pacientes receberam-no presencialmente, devido à limitação de seu acesso à internet. O formulário continha questões acerca de suas características (como idade, caracterizada conforme a média), formação, experiência com as coberturas, entre outras, resguardadas as diferenças entre profissionais e usuários para a definição das questões; ademais, dispunha dos critérios e resultados esperados para avaliação da qualidade de coberturas de alginato de cálcio.

Nesse formulário, os juízes emitiram sua opinião para cada critério por meio da escala de Likert(17) modificada, em que as opções de respostas foram: 1) discordo totalmente, 2) indiferente (ou neutro) e 3) concordo totalmente. Além disso, havia um campo para que pudessem expressar seus comentários, observações e sugestões.

Análise dos resultados e estatística

As avaliações do grupo de juízes foram analisadas pelo grupo de pesquisa ao final do primeiro momento; e, após revisão e sistematização das alterações, a proposta revisada foi reencaminhada aos juízes depois de 15 dias, que caracterizou o segundo momento deste estudo. As avaliações dos juízes no segundo momento seguiram o mesmo percurso do primeiro, no entanto, na proposta revisada, constavam apenas aqueles critérios e resultados esperados que sofreram alguma modificação decorrente de comentários ou sugestões.

A análise dos dados ocorreu por estatística descritiva, tendência central e dispersão, realizada por meio do programa Statistics Data Analysis STATA® (versão 12.0) e avaliação do Índice de Validação de Conteúdo (IVC).

RESULTADOS

Na etapa 1, foram selecionados sete artigos, identificados no portal de periódicos da CAPES, para a construção dos critérios de avaliação da qualidade das coberturas de alginato. Dentre os estudos selecionados, um (14,3%) dos artigos correspondeu ao ano de 2014; um (14,3%), ao ano de 2015; um (14,3%), ao ano 2016; um (14,3%), ao ano de 2017; e três (42,8%) ao ano 2018 - tendo sido codificados de 01 a 07. Então, foram estabelecidos, inicialmente, 7 critérios e 11 resultados esperados (Quadro 1).

Quadro 1
Relação dos critérios de avaliação da qualidade das coberturas de alginato e resultados esperados(n = 18), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2020

Após estabelecidos os critérios e resultados esperados na primeira etapa, o formulário foi enviado ao grupo de juízes formado por cinco (55,6%) enfermeiros assistenciais, além de dois enfermeiros (22,2%) do setor de compras e/ou licitações e dois (22,2%) pacientes atendidos em serviços de saúde, representando os usuários. A média de idade dos participantes foi de 42 anos (mínima 33 e máxima 59 anos; DP 8,8; IC 95%). Sobre o serviço no qual trabalha ou é atendido, sete (77,8%) referiam-se ao setor público; e dois (22,2%), ao privado. Quando questionados sobre a importância de um instrumento projetado para avaliar a qualidade de coberturas interativas, nove juízes (100%) disseram ser muito importante.

Dos profissionais, todos eram enfermeiros, formados entre os anos de 2003 e 2008, com média de atuação de 14 anos na enfermagem (DP 0,91; IC 95%; mínima de 11 e máxima de 17 anos); e média de dez anos de experiência com tratamento de feridas/coberturas interativas (DP 1,49; IC 95%, mínima de 4 e máxima de 16 anos). Três (42,9%) possuíam mestrado.

Dos juízes usuários, dois (22,2%) possuíam escolaridade entre fundamental incompleto (50%) e ensino médio completo (50%) e ocupação referida como afastado (50%) e autônomo (50%), sendo que os dois possuíam ferida venosa com tempo de existência entre três e cinco anos, respectivamente. Ambos afirmam que a existência de um instrumento padronizado, para avaliação de coberturas interativas, pode trazer benefícios ao seu tratamento.

Na primeira avaliação, todos os juízes concordaram totalmente com os seguintes critérios: Absorção de exsudato, Conforto, Hemostasia da ferida, Hipoalergênico, Integridade, Preenchimento de espaço morto e Retirada atraumática da ferida - a exceção foi para o critério Hemostasia da lesão, sobre o qual apenas um juiz declarou-se indiferente, apresentando sua justificativa na sequência. Nos resultados esperados desse mesmo critério, um juiz não emitiu sua opinião (Tabela 1). Foi proposto acrescentar um critério, Desbridamento autolítico, e seu respectivo resultado esperado. O IVC da primeira etapa de avaliação pelos juízes foi 0,98, o que indica alta concordância entre os avaliadores.

Tabela 1
Frequência de concordância entre os juízes sobre os critérios e resultados esperados para avaliação da qualidade das coberturas de alginato(n = 9), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2020

Apesar do alto nível de concordância entre os juízes, foram emitidas três sugestões e três comentários, especialmente daqueles que não discordaram de nenhum item ou foram indiferentes a nenhum. Os comentários e as sugestões realizadas envolveram a discussão acerca da redação do conteúdo ou especificamente sobre funções complementares da cobertura que não estavam contempladas no instrumento.

Portanto, mesmo concordando totalmente, os comentários e as sugestões feitas pelos juízes foram considerados após discussão e análise críticas entre as pesquisadoras. Isso ocorreu diante da competência e da experiência desses juízes na utilização ou na compra das coberturas de alginato. Após serem alterados, apenas aqueles critérios e resultados esperados que sofreram modificações foram reenviados na segunda etapa para nova emissão de sua concordância (Tabela 2).

Tabela 2
Avaliação pelos juízes dos critérios e resultados esperados adicionados ou modificados do Instrumento de Critérios das Coberturas de Alginato(n = 9), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2020

Observou-se que um juiz foi indiferente ao critério adicionado, Desbridamento autolítico, e um juiz discordou totalmente dos resultados esperados propostos para o critério Absorção de exsudato. O IVC da segunda etapa foi 0,93, mantendo, portanto, a alta concordância entre os avaliadores.

Após o segundo momento da etapa 2, nenhum comentário ou sugestão foi realizada, finalizando assim o instrumento (Quadro 2).

Quadro 2
Relação final dos critérios e resultados esperados para avaliação da qualidade das coberturas de alginato, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

A validação deste estudo se deu pelo julgamento: de juízes enfermeiros que possuíam uma média de dez anos de experiência com licitação, compras e utilização clínica da cobertura de alginato; e de pacientes com experiência de uso dessa cobertura em seu tratamento. Considerando a expertise desses juízes e a pertinência de suas sugestões e comentários, apesar da alta concordância, foram realizadas as alterações sugeridas, especialmente porque foram relevantes quanto à clareza dos critérios ou resultados esperados ou complementariam o estabelecido no instrumento.

Destaca-se que, em estudos de validação, os itens em avaliação devem ser julgados por juízes que tenham perícia na área/temática à qual o instrumento ou a tecnologia criada se aplicam, pois possuem a responsabilidade e a função de julgar se as variáveis daquele instrumento em questão atendem ou não ao objetivo a que se propõem(18). Portanto, a experiência dos profissionais que ajuízam a pertinência, a validade e a adequação de um instrumento é fundamental e contribui substancialmente para melhor entendimento, clareza, confiabilidade e aplicabilidade desse instrumento em validação(19).

Nesse sentido, reporta-se à primeira etapa da avaliação deste estudo a justificativa relacionada ao critério Hemostasia da lesão. Um dos juízes comentou sobre a utilização errônea do alginato para essa finalidade na prática clínica, quanto ao fato de que muitos profissionais o fazem com o intuito de interromper grandes sangramentos. Assim, a sugestão objetivou o esclarecimento, no resultado esperado, sobre a função hemostática do alginato restringir-se a pequenos sangramentos.

A função hemostática do alginato resulta da ação dos íons de cálcio (Ca+). Ao entrar em contato com o leito da ferida, há uma liberação ativa desses íons, constituindo-se em um cofator natural no processo de coagulação de sangramentos, podendo ser indicada, por exemplo, após desbridamentos ou biópsias(20). No entanto, cabe considerar que essa função se aplica a pequenos ferimentos, não sendo indicada para utilização em grandes sangramentos, pois estes podem requerer intervenção cirúrgica e devem ser criticamente avaliados pela equipe médica.

Outra característica do alginato refere-se à sua capacidade de gelificação. Ao entrar em contato com a ferida, há uma interação entre os íons (de cálcio ou sódio) presentes na cobertura e no exsudato, o que confere ao alginato um aspecto de gel, devido também à sua alta capacidade de absorção(20). Essa gelificação da matriz do alginato confere a função de reter resíduos da ferida. Entre eles, há produtos bacterianos e fibrina, que, ao serem removidos, realizam o desbridamento autolítico(21).

A capacidade de desbridamento autolítico constou numa sugestão de um dos juízes que não estava contemplada no instrumento, portanto foi adicionada na segunda etapa do estudo, considerando sua eventualidade na prática clínica. Ressalta-se que, apesar da existência de outras apresentações de alginato - como sua combinação com hidrogéis, colágeno, alginatos com íons de sódio, filmes de alginato, entre outros -, este estudo focaliza a apresentação de alginato de cálcio em fita, placa e cordão, por estes serem mais utilizados na prática clínica de enfermeiros no Brasil.

No tocante à capacidade altamente absorvente do alginato, ele é contraindicado para feridas que apresentam pouca exsudação ou tecido necrótico do tipo escara, pois não é uma cobertura seletiva, ou seja, pode absorver todos os componentes aquosos do leito da ferida, desidratando-a quando há pouca umidade(21) e tornando-a seca, o que cria um ambiente desfavorável para a cicatrização.

Outro ponto importante é que, na escassez de exsudato ou em quantidade insuficiente para promover a formação de gel, a remoção fica dificultada devido à composição comumente fibrosa dos alginatos, de modo que podem restar fibras residuais na ferida desencadeando resposta inflamatória(20). Quando isso ocorre, pode haver aumento da possibilidade de trauma no leito da lesão no momento da troca de curativo.

Nesse sentido, as alterações sugeridas pelos juízes foram pertinentes, e os ajustes foram realizados considerando as justificativas e a fundamentação literária. É importante ressaltar que, unanimemente, os juízes não conheciam instrumento com critérios de avaliação da qualidade de coberturas que os respaldasse na escolha. Também foi unânime a afirmativa de que a existência de um instrumento como esse é muito importante.

Estudos que avaliam a qualidade clínica de coberturas interativas são escassos. No entanto, aqueles que validam instrumentos para avaliação clínica de feridas enfatizam que a qualidade da assistência prestada a pacientes com feridas depende da capacitação profissional, bem como da sistematização de protocolos ou instrumentos padronizados que orientem a tomada de decisão, seja para tratamento, seja para prevenção ou diagnósticos(22). Justifica a relevância desses treinamentos e instrumentos o fato de que a percepção subjetiva de cada enfermeiro sobre a avaliação de uma ferida pode gerar diferentes interpretações, considerando a variabilidade de conhecimento entre enfermeiros que prestam esse cuidado(23).

Essas explicações, no entanto, podem ser estendidas para a avaliação de critérios de qualidade de coberturas interativas. Muitos profissionais, apesar da ampla experiência, possuem conhecimentos diferentes e contam com uma diversidade de fabricantes e fornecedores dessas coberturas, que comumente apresentam novas tecnologias, custos variados e concorrências licitatórias.

A grande oferta e o universo de possibilidades, somados à perspectiva de cura diante dessas apresentações, podem gerar insegurança ao enfermeiro no momento da escolha, da aquisição e da utilização do produto. Tal fato evidencia a importância de um instrumento padronizado, embasado na literatura específica e julgado por profissionais peritos na área, com o objetivo de amparar enfermeiros que atuam na compra desses insumos para o tratamento de feridas.

Espera-se que este estudo possa subsidiar a tomada de decisão de enfermeiros quanto à avaliação da qualidade das coberturas de alginato de cálcio antes de sua aquisição para o serviço de saúde e utilização no paciente. Nesse sentido, é esperado que o presente trabalho possa contribuir direta ou indiretamente para a autonomia desses profissionais, minimizando as chances de escolha de um produto com propriedades indevidas e visando, também, à segurança dos pacientes e, por sua vez, à melhoria da qualidade da assistência prestada.

Limitações e perspectivas do estudo

Inicialmente, a coleta de dados da pesquisa estava prevista para ocorrer de forma presencial, mas, devido ao momento atual da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), algumas adaptações foram necessárias. Foi imprescindível a utilização de meios virtuais e eletrônicos para a obtenção dos dados e discussões de tópicos relevantes da pesquisa. Essa eventualidade demandou inovação da equipe de pesquisa, em vista da utilização do meio on-line, no entanto interferiu, direta ou indiretamente, no tempo de condução da pesquisa, impossibilitando a discussão com os juízes por meio de grupo focal ou coleta de dados de maneira presencial.

Outra limitação importante, também relacionada à pandemia da COVID-19, foi a dificuldade de alguns juízes em acessar plataformas virtuais, bem como a demora para devolver os instrumentos, especialmente porque alguns profissionais estavam trabalhando na linha de frente do combate à pandemia e o estudo ocorreu exatamente no período em que foi constatado o aumento do número de casos no estado de Minas Gerais. As perspectivas do estudo incluem: maior conhecimento quanto às características das coberturas de alginato de cálcio; e possibilidade de que tal instrumento direcione os enfermeiros, amparando-os com segurança no momento de escolha, avaliação e compra desse material.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Este estudo contribui para a autonomia dos profissionais enfermeiros no tocante à avaliação, escolha, aquisição e utilização das coberturas de alginato nos serviços de saúde que tratam pacientes com feridas, independentemente de sua etiologia. Além disso, viabiliza o gerenciamento da qualidade dessas coberturas, por meio de critérios de avaliação. Permite ainda a gestão de recursos, o que minimiza o consumo de materiais de baixa qualidade para o tratamento de feridas e melhora, assim, o redirecionamento de gastos com o melhor custo-benefício para o paciente e serviço de saúde.

CONCLUSÕES

O instrumento com critérios para avaliação da qualidade das coberturas de alginato de cálcio foi validado por um grupo de juízes com expertise na utilização, na licitação e na compra desse material. Essa ferramenta possibilita o direcionamento de enfermeiros que atuam no tratamento de feridas no tocante à aquisição de tais coberturas, propiciando, dessa forma, autonomia e assertividade com relação ao tratamento.

O presente trabalho é precursor na abordagem da temática de validação de critérios de avaliação da qualidade de coberturas interativas, e espera-se que ele possa servir como contribuição para futuras pesquisas, salientando a importância desse tipo de estudo para a prática clínica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2021
  • Aceito
    18 Abr 2021