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» Volume 73

Número 3

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A saúde na escola: percepções do ser adolescente

RESUMO

Objetivos:

compreender as percepções do ser adolescente acerca da saúde na escola.

Métodos:

pesquisa qualitativa e descritiva apoiada na fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty, desenvolvida com 90 alunos adolescentes de uma escola federal do estado do Rio de Janeiro. Os dados foram produzidos pelo discurso falado em resposta ao questionamento: conte para mim qual a sua percepção sobre a saúde na escola. Aqueles que optaram pela resposta escrita à questão norteadora depositaram os manuscritos nas urnas.

Resultados:

a saúde escolar encontra-se presa às práticas higienistas e ao modelo hegemônico assistencialista. No entanto, sentidos e significados foram atribuídos à prática da atividade física e de educação em saúde - estratégias integradoras e multiplicadoras de comportamentos e hábitos saudáveis.

Considerações Finais:
o fazer saúde na escola passa pelo protagonismo do ser adolescente sobre sua saúde na reorganização das ações de promoção em saúde escolar

Descritores:
Adolescente; Instituições Acadêmicas; Promoção da Saúde; Saúde do Adolescente; Serviços de Saúde Escolar

ABSTRACT

Objectives:

to understand adolescents’ perceptions on school health.

Methods:

qualitative and descriptive research grounded on Maurice Merleau-Ponty’s phenomenology, which was developed with 90 adolescent students from a federal school of the state of Rio de Janeiro. Data were produced by gathering answers to the following question: what is your perception on school health? Those who chose to write their answer to the guiding question deposited the manuscripts in polls.

Results:

school health is linked to hygienist practices and to the hegemonic assistentialist model. Nevertheless, we assigned senses and meanings to the practice of physical activity and health education by integrating and expanding behavioral strategies and healthy habits.

Final Considerations:

a healthy school environment implies the protagonism of adolescents in school health promotion actions.

Descriptors:
Adolescent; Schools; Health Promotion; Adolescent Health; School Health Services

RESUMEN

Objetivos:

comprender las percepciones del ser adolescente sobre la salud en la escuela.

Métodos:

investigación cualitativa, descriptiva, basada en la fenomenología de Maurice Merleau-Ponty, desarrollada con 90 alumnos adolescentes de una escuela federal del estado de Río de Janeiro. Se recogieron los datos por medio del discurso hablado en respuesta al cuestionamiento: ¿cuál es su percepción sobre la salud en la escuela? Aquellos que optaron por escribir la respuesta a esta cuestión principal la depositaron en urnas.

Resultados:

la salud en la escuela se encuentra vinculada a las prácticas higienistas y al modelo hegemónico asistencialista. Sin embargo, sentidos y significados fueron asignados a la práctica de actividad física y educación en salud -estrategias integradoras y multiplicadoras de comportamientos y hábitos saludables-.

Consideraciones Finales:

el hacer salud en la escuela pasa por el protagonismo del ser adolescente sobre su salud en la reorganización de las acciones de promoción de la salud en la escuela.

Descriptores:
Adolescente; Instituciones Académicas; Promoción de la Salud; Salud del Adolescente; Servicios de Salud Escolar

INTRODUÇÃO

A adolescência, fase do ciclo vital entre a infância e a adultez, é caracterizada por mudanças biopsicossociais peculiares a cada ser, transformando hábitos e consolidando comportamentos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adolescência corresponde à faixa etária de 12 aos 18 anos(1), englobando 16,2% da população brasileira - dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015(2). Nesta fase, os adolescentes podem vivenciar novas experiências, muitas vezes com riscos diante das vulnerabilidades percebidas com o uso de drogas, o consumo de álcool e a violência, dizimando vidas; e a precocidade da atividade sexual, movidos pelo prazer momentâneo, ignorando a possibilidade de gravidez indesejada e de contaminação e/ou propagação de infecções sexualmente transmissíveis(3). O corpo como protagonista destas experiências reproduz vivências e significados que amparam a sua formação como um novo ser no mundo(4).

Na fenomenologia, o corpo é o sujeito da percepção ao compreender que é a essência da existência e o locus da vivência, a partir da interação entre o homem e o mundo(5); configura um constructo social, o âmago reprodutor de sentidos e significados frente às experiências vividas. Com a metamorfose da adolescência, adquire-se um corpo sexualizado à medida em que se perde a identidade infantil. Assim, o corpo do indivíduo é mais do que a sua condição biológica, é o cerne da percepção, ao vivenciar experiências inovadoras e reproduzir valores, significações próprias a cada ser(6). O adolescente reconhece a escola como ambiente favorável ao relacionamento e à convivência com o outro e o mundo, facilitada pela transmissão de valores e formação intelectual(7).

Na PNAD de 2015, a taxa registrada de escolarização da população de 6 a 14 anos foi de 98,6%, na faixa etária de 15 a 17 anos foi de 85%, e na de 18 a 24 anos foi de 30,7%, demonstrando o potencial de desenvolvimento da saúde escolar(2). A escola é o espaço onde se produzem, se reproduzem e se multiplicam saberes e conhecimentos - requisitos determinantes para a formação social, cultural e política do indivíduo. Para o adolescente, é um recinto profícuo para o estabelecimento de vínculo e interações entre seus pares; consequentemente, também para a prática da saúde, demandando políticas públicas voltadas para o seu atendimento(7).

Para a elaboração de políticas públicas, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a criação de sistemas de vigilância dos fatores de risco à saúde dos adolescentes, como os questionários da Global School Based Student Health Survey (GSHS)(8), o Health Behaviour in School-Aged Children (HBSC)(9) e o Youth Risk Behavior Surveillance System(10). No Brasil, destaca-se em 2004 a elaboração da Pesquisa Nacional de Saúde dos Escolares (PeNSE) para o mapeamento dos fatores de risco e proteção das doenças crônicas na saúde dos adolescentes brasileiros, realizada nos anos de 2009, 2012 e 2015. Essas pesquisas identificam questões prioritárias para o desenvolvimento das políticas públicas voltadas à saúde dos adolescentes(11); no entanto, perde-se por não contemplar as demandas levantadas pelo próprio ser adolescente inserido em seu contexto sociocultural.

Este estudo se ampara na definição de saúde na escola conforme o descritor em Ciência da Saúde, compreendendo as “Ações voltadas para a comunidade escolar para concretização das propostas de promoção da saúde. […] desenvolvendo ações para a prevenção de doenças e para o fortalecimento dos fatores de proteção”(12). Não obstante, esta pesquisa tem como objeto a percepção do ser adolescente sobre o serviço de saúde desenvolvido na escola, numa perspectiva merleau-pontiana.

OBJETIVOS

Compreender a percepção do ser adolescente acerca da saúde na escola a fim de subsidiar o processo de cuidado ao adolescente no cenário escolar.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Orientado segundo a Resolução nº 466/12(13), este estudo recebeu a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF). O uso da letra A, inicial da palavra “adolescente”, seguida por um número aleatório, assegurou o anonimato dos participantes entrevistados. Seguindo este raciocínio, os participantes que optaram pela resposta escrita à questão norteadora tiveram seus manuscritos identificados com a letra “U”, letra inicial da palavra “urna”, seguida pelo número que correspondeu à sequência de distribuição das urnas de coleta nas dependências da escola: U1 (espaço de saúde), U2 (biblioteca) e U3 (pátio escolar/xerox).

A apreensão do sentido e significado da saúde na escola pelos alunos adolescentes foi autorizada pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes maiores de idade e pelos responsáveis dos adolescentes sem maioridade civil, e do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) pelos adolescentes menores de idade.

Nos depoimentos escritos, sem as limitações impostas pela timidez e pela insegurança com a entrevista e com o uso do gravador, cada vivência experienciada pôde ser confidenciada com maior privacidade.

Referencial teórico-metodológico

Esta pesquisa fundamenta-se na fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty, por permitir compreender o homem e o mundo a partir de sua “facticidade” e por julgar o corpo como o único capaz de dar sentido e significado ao mundo vivido. A partir do corpo vivido, toda a vivência e a sabedoria do mundo podem ser revelados pela percepção(5). Este referencial se adere à pesquisa no pressuposto de que a saúde na escola nasce das relações com o outro, sempre calcada na intencionalidade.

A fenomenologia estuda as essências. Segundo Maurice Merleau-Ponty, ela ocorre no convívio direto com o vivido, onde o ato perceptivo emerge de uma relação de encontro e imbricamento entre sujeito e objeto, o que se espera também da relação entre aluno e saúde. O filósofo entende o ser humano como uma esfera de significados que se corporificam e se humanizam no encontro com o outro(5).

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, amparada pela fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty, em que a busca das vivências dos discentes concorre para ampliar o campo de percepção sobre sensações, desejos e necessidades do ser humano, o que contribui para uma prática mais completa e complexa da saúde. Utilizou-se a diretriz COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research) para orientar a redação deste artigo.

Procedimentos metodológicos

A coleta dos dados ocorreu nos meses de março e abril de 2015, após um período de aproximação da pesquisadora com os participantes da pesquisa. No primeiro mês letivo, a servidora médica/pesquisadora, frequentou uma das duas aulas semanais de educação física do ensino médio da escola, com o propósito de apresentar-se como servidora do campus e conhecer e se familiarizar com os possíveis participantes do estudo, com o objetivo de convidá-los posteriormente para a realização da pesquisa. Diante deste movimento de aproximação face a face como parte do processo de recrutamento, ao final do primeiro mês letivo a servidora/pesquisadora convidou os alunos esclarecendo os objetivos do estudo, a importância da participação e as duas formas de coleta de depoimentos disponíveis aos participantes da pesquisa: a entrevista, a ser agendada em horário e local de preferência do participante, e a resposta escrita à questão norteadora, a ser depositada em uma das três urnas dispostas em locais de uso coletivo no campus: espaço saúde, biblioteca e pátio/xerox.

Com os adolescentes de maioridade civil e consentimento formalizado, a obtenção dos depoimentos se processou rapidamente, mediante a escolha do instrumento de coleta pelo adolescente. Aos alunos menores de idade que manifestaram interesse foram dados os termos de consentimento e anotado o contato dos responsáveis. A pesquisadora telefonou para cada responsável, esclarecendo os objetivos da pesquisa e a importância da participação de seu dependente, mediante informações prestadas nos documentos enviados. Com a autorização de participação do aluno menor de idade, este retornava uma via dos impressos assinados e a coleta dos dados se processava conforme o instrumento selecionado.

O recrutamento não foi realizado nas classes da graduação, porém alguns alunos, intrigados com a presença das urnas, buscaram esclarecimentos com a pesquisadora sobre a possibilidade de participarem da pesquisa, o que acarretou no aparecimento de depoimentos também desses alunos.

Propositalmente, foram incluídos no estudo discentes que tiveram pelo menos um contato com a unidade de saúde na escola, o que se acredita provocar vivências diferenciadas sobre o fenômeno estudado. Foram excluídos os discursos (falados ou escritos) cujo teor estivesse fora do âmbito do objetivo proposto.

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido em uma escola pública da rede federal em um município do estado do Rio de Janeiro, Brasil. A instituição foi escolhida por ofertar ensino técnico integrado ao ensino médio nas áreas de agropecuária, agroindústria, informática, meio ambiente e química, além do curso de graduação em ciência e tecnologia de alimentos. Trata-se de um recinto representativo, pois recebe alunos do Noroeste Fluminense, da Zona da Mata Mineira e do sul do estado do Espírito Santo.

Inaugurada em 1970 como escola técnica agropecuária sob gestão municipal, a escola foi posteriormente vinculada à UFF em 1974, e em 2009 tornou-se um campus do Instituto Federal Fluminense, subordinado à reitoria em Campos dos Goytacazes-RJ.

Atualmente, seu período de funcionamento se estende das 7h às 22h. Possui 18 turmas nos cursos técnicos integrados ao ensino médio, distribuídas em: duas turmas de primeiro, segundo e terceiro anos para os cursos de agropecuária e de agroindústria; uma turma para cada ano do ensino médio para os cursos de informática e de meio ambiente e a primeira classe de química; cursos técnicos subsequentes e/ou concomitantes em agropecuária, agroindústria, informática e meio ambiente, com duração de um ano e meio, e a primeira turma do curso de manutenção e suporte em informática; na modalidade de educação à distância, o curso de técnico em segurança do trabalho (uma turma no segundo e quarto módulos), técnico em eventos e técnico em multimeios didáticos do Programa Profuncionário, ambos com uma turma no primeiro módulo. No 3º turno ocorrem as aulas do curso de graduação em ciência e tecnologia de alimentos, com turmas do primeiro, terceiro, quinto e sétimo períodos. Atendendo 1.111 alunos matriculados e distribuídos em 35 turmas, a escola oferece alojamento para os alunos do sexo masculino, selecionados segundo critério de renda familiar e distância domiciliar.

Apesar de não estar vinculada ao Programa Saúde na Escola, do governo federal, a instituição possui unidade própria de saúde composta por uma médica (a pesquisadora deste estudo), uma auxiliar de enfermagem e uma odontóloga. As ações desenvolvidas resumem-se a atividades de atenção básica, como atendimento médico aos alunos e servidores do campus. Em caso de urgência e/ou emergência médica, o paciente é encaminhado de ambulância para um hospital no município. Envolvida neste processo e questionando essa rotina, a pesquisadora desenhou este estudo para desvelar o serviço de saúde na escola a partir da escuta do aluno adolescente inserido em seu contexto sociocultural. Acredita-se que esse movimento possa acrescentar valores na reorganização do modo de se fazer saúde na escola.

Fonte de dados

As entrevistas ocorreram no consultório três do espaço saúde ou na sala de educação física, conforme a preferência do aluno, e os manuscritos foram coletados nas três urnas localizadas, respectivamente, na recepção do espaço saúde, na biblioteca e no pátio escolar junto ao xerox.

Do total de 511 alunos do ensino médio recrutados, 410 se recusaram a participar da pesquisa sem esclarecer os motivos, e a captação dos dados ocorreu com 101 alunos: 34 participaram da entrevista e 67 depositaram seus manuscritos nas urnas. Do total de manuscritos apurados, 11 foram excluídos por não responderem à questão norteadora e apenas 56 atenderam o objetivo proposto. Todas as entrevistas responderam ao questionamento. Somando-se as entrevistas e os 56 manuscritos, reuniu-se um total de 90 discursos para análise. Dos entrevistados, 14 eram meninos e 20 eram meninas, com idades entre 15 e 20 anos. Todos eram do ensino médio integrado ao técnico, sendo 17 na área de agropecuária, uma na de informática, oito na de meio ambiente e oito na de agroindústria. Os participantes que optaram pelos depoimentos confiados às urnas foram classificados segundo o ano de escolaridade. Cinco eram do primeiro ano do ensino médio, 11 do segundo, 13 do terceiro e três eram do curso de graduação; os demais 24 não forneceram essa informação nos manuscritos apurados. Durante a pesquisa não houve nenhuma desistência por parte dos alunos.

Coleta e organização dos dados

No movimento de aproximação, como processo de recrutamento a servidora/pesquisadora direcionou o convite aos alunos para participarem da pesquisa esclarecendo a relevância e os objetivos do estudo proposto. Os adolescentes interessados com maioridade civil assinaram o TCLE; já os menores de idade apresentaram o TCLE assinados pelos seus respectivos responsáveis e assinaram o TALE. Diante do consentimento formalizado, a coleta se processou na forma escolhida pelo participante (entrevista ou resposta escrita à questão norteadora).

Buscou-se compreender a percepção do ser adolescente acerca da saúde na escola, com o propósito de subsidiar o processo de cuidado ao adolescente no cenário escolar, a partir da experiência de escuta aos alunos. Os alunos que optaram por participar da entrevista, em local de sua preferência, responderam ao questionamento: “Conte para mim qual a sua percepção em relação à saúde na escola”. Após a formulação dessa questão, o aluno encontrava-se à vontade para expressar a sua percepção sobre o assunto e descrever com sua própria linguagem como percebe a saúde na escola. Aos que desejaram participar da pesquisa, mas encontraram-se tímidos e/ou embaraçados, foi dada a opção de entregar um manuscrito em resposta à pergunta estampada nas urnas: “O que você entende sobre a saúde na escola?” A resposta escrita à questão visava apreender a vivência do indivíduo através da dinâmica da compreensão, revelando com a linguagem escrita o vivido descrito, preservando o anonimato do autor.

Não houve recrutamento dos alunos do curso de graduação, porém aqueles que se sentiram instigados pela indagação estampada nas urnas puderam participar do estudo, após assinarem o TCLE.

A pesquisa não foi precedida por teste piloto. Não houve a necessidade de repetição das entrevistas realizadas. Os dados foram registrados em gravador digital. A duração dos encontros teve uma média de dezesseis minutos. A coleta foi encerrada quando a pesquisadora percebeu a repetição dos dados, o que caracterizou a saturação. Os dados transcritos não foram devolvidos aos participantes.

Análise dos dados

Os dados foram analisados segundo a fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty, em três etapas principais: a descrição do fenômeno, a redução e a compreensão fenomenológica(14). A descrição é o desvelar do fenômeno vivido por meio da linguagem transcrita textualmente a fim de sofrerem apreciação, significação e compreensão. Inicialmente, os discursos e manuscritos foram transcritos, lidos e relidos para a apreensão da vivência e, posteriormente, a sua redução. Para o filósofo, a redução é o reencontro de um contato originário com o mundo ao descrever as “coisas próprias”, na busca de um sentido primário, significado essencial da experiência vivida(5).

Simultaneamente à compreensão fenomenológica ocorreu a interpretação, apreensão do cerne do fenômeno descrito e reduzido pela consciência intencional como uma união de unidades de significados, o que se mantém frente às variações manifestadas nos dados(5), emergindo agrupamentos nos seguintes subtópicos: o “mundo da vida escolar” - encontro e interação com o outro; o corpo - espaço de necessidades e ambiguidades; o corpo pensante - atitudes significadas pelas palavras à luz da causalidade objetiva; o adolescente como participante que sugere a partir do vivido.

RESULTADOS

O “mundo da vida escolar”: encontro e interação com o outro

Para os adolescentes, a saúde na escola desenvolve-se a partir das relações harmônicas em comunhão consigo e com o outro, a fim de despertar o coletivo para atitudes e aptidões saudáveis:

Viver bem com todos ao seu redor. (U3)

Ter uma boa comunhão com todos, tratar todos bem com igualdade. Ser saudável com todos. (U3)

É quando todos fazem a sua parte com prazer, ou seja, fazem a carruagem andar. (U2)

É o modo dos alunos se exercitarem e interagirem com os seus colegas: é praticamente um elo social. (U2)

A saúde na escola possibilita que todos […] cheguem a um desenvolvimento satisfatório, sem que haja problemas ou empecilhos relacionados a sua saúde física e mental. (U2)

Envolve o coletivo. (U3)

Corpo: espaço de necessidades e ambiguidades

O corpo é o veículo do ser no mundo, produz e integra sentidos do meio do qual faz parte(5). O vivido “mundo da vida escolar”, por vezes desconhecido, gera sentimentos que oscilam entre a satisfação, o desconforto e o conflito, caracterizados pela desarmonia entre saúde e educação experenciada pelos alunos. Para os adolescentes, a escola é vista como sua segunda morada, espaço de pertencimento, convivência e estabelecimento de relacionamentos, onde passam a maior parte do dia; no entanto, o bem-estar individual e comum, algumas vezes garantidos, encontram-se ameaçados em virtude da falta de informação quanto ao serviço de saúde na escola, bem como pelo nível de comprometimento demonstrado pela equipe de saúde, pela carência de profissionais em todos os horários e pela escassez de insumos terapêuticos:

Eu não tenho muita noção […], eu sei que aqui é para se acontecer alguma coisa. (A1)

Deveria ser mais divulgado a saúde na escola, […] muitos alunos nem sabem que existe o posto médico. (A17)

Algo que precisa de prioridade, atenção e atendimento, porém, esses requisitos não são bem atendidos em nossa instituição. (U1)

O atendimento precisa de mais atenção, pois já aconteceram vários incidentes e não havia ninguém para atender. (U2)

Neste campus, está vergonhosa. As pessoas têm que escolher o dia certo para passar mal, pois não tem médico todos os dias e não tem remédio dia nenhum. (U2)

Teve a amostra esportiva […] e a minha amiga […] caiu. Ela machucou, [… ] precisava de serviço médico e só tinha uma enfermeira lá, […] ela não mostrou muito interesse. (A23)

Sempre que eu venho aqui sou bem atendido. (A3)

A gente fica de sete horas da manhã até as quatro e meia, se […] ficar com mal-estar […] tem o posto médico […], a médica vai dar o medicamento para você ficar melhor. (A13)

Meus colegas que passaram mal, foram bem atendidos. (A28)

Maior parte de nossa vida, a gente passa na escola e o que a gente tem mesmo é a escola. Aqui tem posto de saúde, e quando você passa mal, tem atendimento e se caso [] tem que ser encaminhado para o hospital, uma ambulância vem buscar. (A30)

É uma preocupação que tem com todos, que deveria ter em todos os lugares […] uma saúde melhor assim. (A21)

A gente fica o dia todo na escola, se a gente sente mal é um acesso a um profissional capacitado para estar atendendo a gente. (A16)

Vocês se preocupam com a saúde, mas […] tem mais coisa para ajudar, na área de saúde, para não precisar levar daqui para o hospital. (A18)

A ambulância […] pessoas que estavam se sentindo mal mesmo, aí tava sendo encaminhado diretamente. (A10)

Só tem dipirona. Às vezes precisava de outro medicamento para nos receber, para melhorar nossa situação […]. Então, tem que elevar o nível de medicamentos. (A31)

O pessoal fala que às vezes vem aqui e não tem os remédios para pessoa usar. (A24)

O posto médico não deveria nem existir. Se você passa mal, você não pode vir aqui, que eles te dão um papelzinho para você comprar […], você tem que ir atrás do remédio. (A19)

Pode acontecer de ser picado por algum inseto, ou alguma coisa assim […] e lá falavam para passar gelo e pronto! […] Teria que ter medicamentos à nossa disposição. (A4)

Os alunos têm que se dispor a esperar por uma ambulância por uma simples dor de cabeça porque a escola não tem remédio. (U2)

É ruim quando procuramos remédio para dor e nem isso podemos tomar, porque a médica não está presente. (U2)

A saúde na escola é algo delicado, pois se você vai ao posto médico passando mal, eles não te dão remédio” (U2)

Os adolescentes reconhecem que a saúde escolar se encontra prejudicada por causado asseio insuficiente nas dependências de uso comum. O entorno é o centro da preocupação juvenil, visto que o espaço é o meio pelo qual a saúde se torna possível:

A escola possui alguns locais empoeirados como a quadra, a biblioteca e a varanda da cozinha. É prejudicial aos alunos que possuem problemas respiratórios. (U2)

Saúde não é só ser físico, precisa ser higiene também. […] a quadra sempre muito suja. Isso faz parte da saúde […]. Nos banheiros às vezes faltam sabonete, papel toalha. (A14)

Um lugar ventilado e arejado, limpo e organizado, que atraia quem convive no local. Ex: a biblioteca é quente/abafada e insalubre. (U2)

Ar condicionado na biblioteca. (U2)

É a limpeza […]. Achei a limpeza muito boa, porque isso ajuda muito na saúde. (A20)

Segundo Merleau-Ponty, o corpo é um ser de ambiguidades(15). Afirmação que dialoga com os discursos dos adolescentes, que ora expressam preocupação nutricional frente ao cardápio escolar proposto, ora manifestam satisfação com o serviço prestado:

A alimentação é muito precária, alimentação pesada, gordurosa. […] Acaba fazendo mal para gente que estamos aí no ritmo que sabemos como é que é! (A27)

Quando eu tenho lanchado na escola, eu tenho passado mal, por causa do iogurte da escola, porque eu acho que tem bastante gordura. Aí acaba fazendo mal para gente. (A9)

Não tanto cuidado com nossa alimentação. (A5)

A comida que a gente come é muito gordurosa. […] Acho que eles põem muito óleo. (A22)

Está ótima, porque a comida daqui é regularizada. (U2)

Na comida o pessoal usa luva, sempre lava direitinho os alimentos. (A2)

Corpo pensante: atitudes significadas pelas palavras à luz da causalidade objetiva

O corpo é um sujeito pensante e a linguagem é o acompanhamento exterior do pensamento, cuja palavra emana sentidos e significa atitudes(5). Os adolescentes, ávidos por conhecimento, demonstram o desejo pela educação em saúde, a fim de compreender para além do senso comum:

Eu sei lá[…]projeto de conscientização, a gente é jovem, tem muita coisa de gravidez na adolescência, doença. (A33)

É importante que […] para os alunos que têm menos informações saber […] sobre as doenças, algumas dúvidas, quando precisam. (A32)

Tem que ter também um apoio ali dentro, […] a saúde inserida na […] educação. (A8)

Que ajuda aos jovens para que não torne adultos mal informados. (U2)

Deveria adotar a semana da AIDS. (U3)

Trabalhar a prevenção das doenças, palestra, simpósio, campanhas. (U2)

Deveria ter uma campanha para prevenção da AIDS. (U3)

Para ter saúde na escola é preciso ter palestras. (U2)

A saúde poderá ajudar esclarecendo dúvidas de algo que você não tenha coragem de perguntar a ninguém. (U1)

Alimentação e hábitos saudáveis, disponibilização de medicamentos, acompanhamento médico e palestras sobre a área. (U2)

Adolescente como participante que sugere a partir do vivido

Mesmo diante da incerteza da assistência, os adolescentes manifestaram o desejo pelo atendimento ao seu direito à saúde escolar, a fim de amparar suas necessidades e fragilidades:

Como algo de necessário, principalmente em uma escola onde se estuda em tempo integral e, também, para auxílio para as pessoas que não possuem condição. (U1)

Acho […] muito importante, […] na instituição federal a gente fica oito horas por dia […] a gente não tem condição de buscar este auxílio fora […]. Muitas pessoas […] são alojadas e se acontecer alguma coisa é de responsabilidade da escola. (A11)

É importante ter médico e enfermeiro para que possam nos socorrer e principalmente, que haja remédios disponíveis para podermos melhorar quando não estivermos bem. (U3)

Ela serve para ajudar […] quem tem menos condições. Como a gente fica na escola das sete às quatro e meia é uma chance de a gente ir ao médico, ou ter uma consulta. (A6)

Assistência sempre pronta disponível à saúde do estudante. (U1)

A saúde na escola é algo que precisa ser administrado e cuidado com responsabilidade e que seja ideal a todos os alunos. (U1)

Auxílio aos alunos que passam mal, durante as aulas. (U3)

É a observação da saúde dos alunos na instituição tendo um bom rendimento nestas áreas com equipamentos precisos. (U2)

Cuidar dos alunos. (U3)

Um apoio […]. (U3)

É um auxílio […] aos alunos que passam mal durante o ano letivo. (U3)

É de extrema necessidade […] a assistência na escola, […] passamos a maior parte do nosso dia aqui e […] não temos […] esse auxílio […] de outras áreas (U1).

É bom, pois, se passar mal, terá o profissional capaz para te atender. (U1)

Em casos de emergência […] ou até mesmo um mal-estar: medicar e auxiliar. (U1)

É importante fazer o acompanhamento dos alunos,[…] pode haver […] imprevisto. (U1)

Se houver algum imprevisto, terá o apoio necessário. (U1)

Ter médico à disposição dos alunos! E remédios também. (U3)

Ter médico disponível, remédios e atendimento digno. (U3)

Ter os médicos aqui na escola, muitas pessoas não têm muita facilidade de ter um médico, fazer um tratamento, um acompanhamento, não tem um conselho sobre médico. (A12)

Ter boas enfermeiras à disposição dos alunos que passam mal.(U3)

Ter um médico para nos atender quando necessário. (U3)

Acho que tem que ter um médico presente na escola durante todo o horário de aula. (U3)

É muito importante para caso aconteça algo com o aluno, ele tem onde recorrer. (U1)

Pode ajudar em caso de emergência. (U3)

Tem que ter atendimento médico para o noturno. (U2)

Haver presença de algum doutor diariamente (U3).

Tem que ter médico todo dia! Pois, eu não sei o dia em que irei passar

mal ou sofrer algum acidente. (U2)

Deveria ter médico […] em todos os horários e medicamentos para os alunos. (U3)

Ter profissional. (U2)

É quando os alunos precisam de assistência médica e talvez quando os alunos precisam fazer exames médicos de rotina. (U1)

Acho importante[…]pois quando passamos mal não precisamos ir até o hospital. (U1)

Há necessidade de um melhor atendimento quanto aos horários. (U3)

Outros adolescentes, atentos ao desempenho escolar individual e coletivo, revelaram o interesse por um suporte psicológico, entendido como pré-requisito ao bem-estar comum:

Eh! […] Muitos alunos passam problemas em casa, […] não tem estímulo da família e acabam tendo baixo desempenho escolar e […] necessitam de ajuda psicológica […]. (A29)

Eu acho muito legal assim, a parte da psicologia, porque o aluno pode não ter só doença física, mas mental também. (A8)

A saúde é entendida como um mosaico permeado pela autonomia e pelo bem-estar físico, mental e coletivo, que interagem a partir da organização corporal. Os adolescentes reconhecem na educação física a possibilidade prática da saúde, seja pelo desenvolvimento de habilidades físicas, seja pelo fortalecimento da autoestima, apoiado pelas condições alimentares e higiênicas.

Na parte física, na educação física[…]o professor[…]faz a gente dar o nosso máximo, o nosso limite. (A26)

Ter boa alimentação, praticar esporte nas aulas. (A25)

Tem esporte que a gente pode praticar na educação física. (A15)

Ter uma boa alimentação. (U3)

É manter uma higiene e ter bons hábitos alimentares. (U1)

Alunos saudáveis, boa alimentação, boa higiene. (U3)

Alimentação mais sadia, a prática de exercícios físicos,[…]o controle da saúde […]. (A34)

DISCUSSÃO

O significado da vivência da saúde escolar pelo ser adolescente se relaciona com o postulado da fenomenologia merleau-pontiana no qual a captação do fenômeno (a vivência da saúde escolar) transcende a subjetividade, sendo desenhada a partir da interação do ser adolescente no seu “mundo da vida escolar”, território do vivido. Trata-se de descrever o espaço, o tempo, o mundo vivido tal como ele é(5). Essa interação entre o homem e o mundo é apreendida pelos sentidos e significados, emanada pelas palavras escritas e faladas e pelas particularidades de cada participante.

A vivência do adolescente acerca da saúde escolar remete à visão antropocêntrica entre saúde e ambiente, uma visão higienista cuja finalidade é a saúde humana(16). Esse ambiente equilibrado e harmonioso é requisito para a sobrevivência de todos os organismos na ótica ecossistêmica de saúde. Segundo Minayo(17), há uma forte interação entre os componentes do ecossistema e o bem-estar, com impactos para a saúde individual, coletiva e universal. A articulação entre saúde, sistema social e ambiente merece atenção ante as discussões sobre saúde pública.

Na caracterização do fenômeno, um número expressivo de adolescentes apresenta em seus discursos um caráter higienista. Os alunos demostraram uma mistura de emoções que variava entre satisfação, angústia e descontentamento com a assistência e o arsenal terapêutico disponibilizado, apoiados na política sanitária e no modelo biomédico predominante. Também revelaram inquietações sobre a limpeza das dependências da escola - biblioteca, quadra de esportes, banheiros - e o equilíbrio do cardápio das merendas. A higiene e a alimentação balanceada configuram medidas de saúde escolar, de forma que seu não cumprimento acarreta em adoecimento e mal-estar(16).

No âmbito da saúde escolar, percebe-se que a utilização da temática da assistência e da saúde, arraigada por conta do modelo hegemônico sem esclarecimentos de seus fins estratégicos e políticos, comandou a prática da saúde escolar nos países da América Latina nas duas últimas décadas do século XX(17-18). Esse paradigma ganhou um novo olhar com a formulação da estratégia da Rede Latino-Americana de Escolas Promotoras de Saúde, no Congresso de Saúde Escolar no Chile, em 1995. Este modelo de atenção à saúde na escola, em resposta à orientação da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), tem norteado a construção das políticas públicas de saúde escolar nos países da América Latina e do Caribe. É apoiado em três pilares: educação para a saúde na sua integralidade; elaboração e garantia de um ambiente harmônico e saudável; e provimento de serviços de saúde, nutrição saudável e bem-estar(19). Essas diretrizes foram salientadas em uma investigação escolar acerca da depressão em adolescentes, onde Fröjd et al. mostram que um trabalho multidisciplinar articulado entre saúde, educação e sociedade é um modelo alternativo de assistência aos adolescentes deprimidos(20).

Na América Latina, a saúde escolar como política pública envolve iniciativas municipais e nacionais associadas à implementação de estratégias de promoção da saúde nas escolas e outras temáticas como alimentação, controle do peso, saúde bucal, cuidado oftalmológico, prevenção e controle da dengue, prevenção do uso de álcool, de cigarro e outras drogas, e saúde sexual e reprodutiva(18). No Brasil, a saúde na escola projetou-se com o Programa de Saúde na Escola, reformulado para melhorar a qualidade de vida na comunidade escolar municipal e estadual(21). Apesar desse novo olhar, a implementação dos programas e projetos não anulam os padrões tradicionalmente presentes, isto é, o cumprimento dos recursos para a prática da saúde escolar concorre com as ações apoiadas no ideário higienista(18).

Nesta implementação, dentre tantos outros, um notório obstáculo a ser vencido é a relutância humana à mudança, presente nas entrelinhas dos discursos como responsável pela fragilização do cuidado em saúde ao adolescente. O adolescente vê a saúde escolar como auxílio e garantia de bem-estar individual e coletivo, mesmo que para isso medidas higienistas guiem as ações. As aspirações explicitadas nos discursos, como a cobertura da saúde a todos os turnos escolares, a efetiva participação da medicina, enfermagem e psicologia como suporte e proteção ao cuidado físico e mental do aluno e a defesa à saúde assegurado pelos insumos terapêuticos são premissas necessárias cujo desequilíbrio propicia o surgimento de enfermidade, queda do rendimento e evasão escolar.

Paradoxalmente, os depoimentos retratam uma saúde escolar moldada na promoção da saúde, valorizando a prática de atividade física - fundamental na prevenção e controle de doenças cardiovasculares, síndromes consumptivas e metabólicas - como consolidação de hábitos saudáveis(22-23). Abildsnes et al. afirmam que programas de educação física de qualidade são facilitadores na adoção de uma vida saudável entre adolescentes e que enfermeiros perceberam uma procura crescente pelo serviço de saúde da escola por alunos evadidos das aulas de educação física(24).

Os adolescentes relacionam a saúde escolar com as ações de educação popular em saúde como elemento multiplicador do saber, balizador de hábitos e comportamentos saudáveis e facilitador de intervenções de saúde - vivência percebida em ação de saúde bucal com adolescentes em duas escolas secundárias suecas por dois anos(25). Essa ambiguidade percebida não significa imperfeição, mas uma percepção dinâmica que arrasta outros elementos correspondentes e conluios de vários sentidos para a mesma circulação de ideias. Segundo Merleau-Ponty, o corpo é portador de necessidades e ambiguidades, sem distinção entre as partes, ou seja, elas se completam(15).

A efetivação das ações de promoção da saúde escolar caminha para a ação participativa, a partir da consolidação de vínculos com a comunidade educativa, visando a integralidade do cuidado conforme o contexto sociocultural. Recomenda-se, portanto, a qualificação dos profissionais de saúde nas atividades intersetoriais e a criação de parcerias com a docência. O docente é multiplicador e transformador do conhecimento. Em atenção a esses atributos, o profissional de saúde, sobretudo o médico e o enfermeiro, pode direcionar, favorecer e conduzir a capacitação para os domínios dos conceitos de saúde, conforme as convenções internacionais e as políticas públicas(18).

A saúde escolar é uma estratégia intersetorial e interdisciplinar com o propósito de aperfeiçoar habilidades individuais e coletivas de forma dinâmica e preventiva para alcançar uma qualidade de vida escolar comum. Nesta movimentação, a promoção da saúde na escola exige uma mobilização ampliada que ultrapassa a unicidade das atribuições do setor de saúde e corresponsabiliza gestores, a comunidade envolvida e as ações colaborativas de vários setores públicos, entidades não governamentais e iniciativa privada, sem que o bem-estar comum seja aniquilado pela burocracia(26).

As repercussões deste estudo na prática da saúde escolar impressionam pela complexidade de atributos, compreendendo a sutileza da escuta atenta do adolescente-sujeito, percebido a partir da vivência no seu “mundo da vida escolar”. O profissional da saúde é o orientador do processo de cuidado, afinando laços com a docência para compartilhar saberes e competências e, assim, alinhar a ativa atuação dos adolescentes no protagonismo de seu plano de vida e projeto de saúde(27).

Limitações do estudo

Apenas um grupo de adolescentes foi investigado em determinada escola da rede federal do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Embora os achados revelem os sentido e significados atribuído pelos alunos acerca da saúde escolar, eles se resumem às especificidades do cenário da pesquisa. Para a ampliação das evidências, são necessários novos estudos em outras realidades com outros adolescentes, que, juntamente com o conhecimento obtido neste estudo, poderiam incrementar a elaboração de políticas públicas voltadas ao cuidado do adolescente na escola.

Contribuições para as áreas de saúde pública e enfermagem

O conhecimento obtido neste estudo oferece informações pertinentes que podem reorientar o fazer saúde na escola, apoiado na escuta do aluno, privilegiando o protagonismo de seu próprio estado de saúde, através da integralidade do cuidado em conformidade com as demandas socioculturais levantadas. Destaca-se a figura do profissional de saúde, orientador e mediador deste processo de desenvolvimento de habilidades e responsabilidades entre gestores, docentes e comunidade a fim de facilitar a prestação e multiplicação do cuidado.

Em termos acadêmicos, essa pesquisa fornece conhecimento a ser discutido durante a formação da enfermagem e outras áreas da saúde envolvidas. Discentes da graduação e pós-graduação podem instrumentalizar-se para o adequado cuidado ao adolescente, incluindo domínio profissional, efetiva comunicação, atenção apoiada na solidariedade, dedicação e responsabilidade social visando a equidade, integralidade e unicidade do cuidado, pilares do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A apreensão da percepção do ser adolescente acerca da saúde na escola foi oportuna pela valorização do sujeito e de sua vivência no “mundo da vida escolar” segundo a fenomenologia existencialista merleau-pontiana.

Na vivência da saúde na escola, predomina o antropocentrismo - o homem no centro e o entorno como facilitador de seu cuidado -, permeado por ações higienistas focadas no modelo biomédico, onde a desarticulação desta prática favorece o adoecimento e a fragilização da comunidade escolar.

De forma complementar, foi dado destaque às ações de promoção da saúde pautadas na prática de atividade física e na educação popular em saúde perfazendo a reorganização da saúde escolar, sendo o profissional de saúde o transformador da realidade no momento em que articula gestão, docência e comunidade escolar na produção e multiplicação de saberes para a prática do cuidado.

A escola é um ambiente adequado para a prática da saúde tendo em conta a participação ativa de seus pares. Esse estudo reafirma que o fazer saúde na escola é possível a partir do mergulho no “mundo da vida escolar” dos adolescentes, da apreensão dos sentidos e significados próprios de cada geração a fim de acrescentar subsídios à elaboração de políticas públicas para a saúde do adolescente.

  • FOMENTO A publicação da presente pesquisa recebeu o apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Antonio José de Almeida Filho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2019
  • Aceito
    11 Jun 2019