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» Volume 73

Número 3

http://dx.doi.org/

Coordenação e longitudinalidade da atenção primária à saúde na Amazônia brasileira

RESUMO

Objetivos:

avaliar os atributos da atenção básica, longitudinalidade e coordenação do cuidar, a partir da percepção do profissional e dos pacientes no estado do Amazonas, Brasil.

Métodos:

pesquisa avaliativa quantitativa em que foi utilizado um instrumento de avaliação externa com 469 profissionais e 1.888 pacientes de 367 unidades básicas de saúde, que aderiram ao Programa de Melhoria de Acesso e Qualidade da Atenção Primária à Saúde padronizados pelo Ministério da Saúde do Brasil. Os dados foram agrupados por análise multivariada de cluster para encontrar uma classificação da atenção primária à saúde sob o ponto de vista de profissionais e pacientes.

Resultados:

os atributos de coordenação e longitudinalidade ainda são expressos de forma fraca e pouco desenvolvida no cenário da Amazônia brasileira.

Conclusões:

é necessário reconhecer as barreiras organizacionais e o que pode promover condições para que as equipes de atenção primária à saúde atuem sob a perspectiva de um cuidado contínuo, integral e coordenado.

Descritores:
Atenção Primária à Saúde; Integralidade em Saúde; Continuidade da Assistência ao Paciente; Avaliação em Saúde; Política de Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to evaluate the attributes of primary health care, care coordination and longitudinality, from the perception of the professional and patients in the state of Amazonas, Brazil.

Methods:

quantitative evaluative study, in which was used an external evaluation instrument with 469 professionals and 1,888 patients from 367 primary health care facilities that adhered to the Program for Improving Access and Quality of primary health care (Portuguese acronym: PMAQ) standardized by the Ministry of Health. Data were grouped by multivariate cluster analysis in order to find a classification of primary health care from the perspective of professionals and patients.

Results:

the attributes of coordination and longitudinality are still expressed in a weak and undeveloped way in the Brazilian Amazon scenario.

Conclusions:

it is necessary to recognize the organizational barriers and what could promote conditions for the performance of health care teams in the perspective of a continuous, integral and coordinated care.

Descriptors:
Primary Health Care; Integrality in Health; Continuity of Patient Care; Health Evaluation; Health Policy

RESUMEN

Objetivos:

evaluar los atributos de atención primaria de salud, longitudinalidad y coordinación del cuidado, a partir de la percepción del profesional y los pacientes en el estado de Amazonas, Brasil.

Métodos:

investigación evaluativa cuantitativa en la que se utilizó un instrumento de evaluación externa con 469 profesionales y 1.888 pacientes de 367 centros de atención primaria de salud, que se adhirieron al Programa de Mejora del Acceso y Calidad de la atención primaria de salud estandarizado por el Ministerio de Salud de Brasil. Los datos se agruparon por análisis de grupos multivariados de cluster para encontrar una clasificación de la atención primaria de salud desde el punto de vista de profesionales y pacientes.

Resultados:

los atributos de coordinación y longitudinalidad todavía se expresan de manera débil y poco desarrollado en el escenario de la Amazonia brasileña.

Conclusiones:

es necesario reconocer las barreras organizativas y lo que puede promover las condiciones para que los equipos de atención primaria de salud actúen desde la perspectiva de una atención continua, integral y coordenada.

Descriptores:
Atención Primaria de Salud; Integralidad en Salud; Continuidad de Atención al Paciente; Evaluación en Salud; Política de Salud

INTRODUCÃO

A atenção primária é o elemento chave dos sistemas de saúde e onde são abordados os principais problemas de saúde da população. Por causa de diferenças demográficas, a Atenção Primária à Saúde (APS) ainda ganha em importância, e com uma equipe de saúde multitarefa em territórios definidos, busca resolver os problemas mais comuns de forma integral e integrada em conjunto com outros pontos da rede. Sua ação é complexa e deve ser mais bem explorada para melhorar as práticas profissionais, a fim de promover a saúde e evitar doenças.

A coordenação do cuidado é um atributo essencial dos sistemas de APS para proporcionar a assistência integral à saúde através de práticas que garantam a continuidade do cuidado. Os objetivos dos mecanismos de coordenação são facilitar a integração entre os profissionais e os serviços e oferecer assistência à saúde contínua, duradoura e integral, aspectos que configuram o cuidado longitudinal(1).

O atributo longitudinalidade envolve três dimensões: informação, longitudinalidade e interpessoalidade(2). A continuidade interpessoal e longitudinal são os aspectos mais diretamente relacionados ao vínculo entre profissional e paciente, que é o elemento primordial para garantir o cuidado integral.

O vínculo entre profissionais e a população favorece o reconhecimento de sua referência na atenção básica do sistema de saúde, e torna o serviço de saúde uma fonte satisfatória e habitual de atenção às necessidades da população(3). Também favorece a relação profissional e usuário, ao envolver confiança na equipe e referência para a atenção à saúde, ao mesmo tempo em que a equipe se responsabiliza pelo cuidado ao longo do tempo(2).

No Brasil, APS ou Atenção Básica à Saúde (AB), o termo utilizado na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), abarca ações de promoção, prevenção e atenção aos problemas mais frequentes em territórios cuja população esteja vinculada à equipe de AB. Os atributos se expressam por meio de ferramentas de comunicação e organização da assistência, que facilitam o acompanhamento dos problemas de saúde(4).

O Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) foi estruturado para induzir a qualidade da AB, conforme as diretrizes propostas na PNAB. Portanto, é uma importante fonte de pesquisa em avaliação (Pinto et al. 2014)(5-6), e seus dados foram utilizados neste estudo.

OBJETIVOS

Avaliar os atributos da atenção básica, longitudinalidade e coordenação do cuidar, a partir da percepção do profissional e dos pacientes, no estado do Amazonas, Brasil.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi aplicado para todos os sujeitos entrevistados.

Desenho, local e período do estudo

Trata-se de uma pesquisa avaliativa sobre a coordenação do cuidado e longitudinalidade na APS no estado do Amazonas. Os participantes do estudo foram 469 profissionais e 1.888 pacientes de 367 Unidades Básicas de Saúde (UBS) em 60 dos 62 municípios do Amazonas que aderiram ao PMAQ (ciclo 2). Os dados foram coletados entre os anos de 2013 e 2014 e corresponderam a três módulos: estrutura das unidades de saúde, profissionais da equipe de saúde e usuários do serviço de saúde.

População ou amostra

A amostra de 469 profissionais incluiu todas as equipes que aderiram ao estudo. Cada equipe era formada por um profissional de nível superior (dados do módulo II) indicado pela equipe e quatro pacientes (dados do módulo III) que compareceram ao serviço para qualquer atendimento no momento em que a pesquisa estava sendo realizada, de acordo com o desenho adotado no PMAQ(7). Isso resultou no total de 1.888 pacientes. Não foram registradas recusas para esta pesquisa.

Protocolo do estudo

Para a realização do estudo, foram selecionadas variáveis correspondentes aos atributos da APS, considerando as ações presentes na organização dos serviços de AB, conforme descrito a seguir:

- Coordenação do cuidado - acompanhamento: ações realizadas pela equipe de saúde para a oferta de cuidado integral para grupos prioritários específicos; encaminhamento: mecanismo que visa a integração entre diferentes profissionais e serviços para a oferta de atenção contínua e integral;

- Longitudinalidade - agenda: a forma de organização das ações assistenciais disponíveis regularmente no serviço de AB à população em território definido; visitas e cuidados domiciliares: realização do cuidado domiciliar a partir de necessidades identificadas na população sob responsabilidade da equipe; satisfação do usuário: existência de mecanismos para promover maior escuta e participação dos usuários no processo assistencial.

O instrumento de coleta de dados utilizado foi o Questionário de Avaliação Externa do PMAQ, ciclo 2, padronizado pelo Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde(8).

Para identificar as variáveis selecionadas conforme a temática do estudo, foi realizada a análise exploratória e agrupamento das variáveis por itens programáticos e de organização do trabalho, a saber: saúde da mulher, saúde da criança, doenças crônicas, tuberculose/ hanseníase, cuidados domiciliares, encaminhamentos, acompanhamento e satisfação do usuário. Foi realizada análise descritiva de frequência e percentual das respostas afirmativas no questionário.

Analise dos resultados e estatística

Os percentuais de cada variável por temática de coordenação do cuidado e longitudinalidade foram agrupados a partir da declaração dos profissionais e percepção do usuário. A análise de cluster não hierárquico (k-medians e k-means) foi realizada após identificar a inadequação da análise hierárquica a partir do clustergrama(9). Esta análise agrupa as variáveis com características semelhantes, e a média (dados normais) ou mediana (dados não normais) foram utilizadas como método de partição e agrupamento, conforme teste de normalidade Shapiro-Wilk. A análise de cluster agrupa os percentuais mais próximos segundo a distância Euclidiana (respostas dos profissionais das equipes) ou o quadrado da distância Euclidiana (percepção dos usuários). Esta análise foi realizada no programa Stata 9.0.

O número de k clusters foi definido a partir da inspeção de clustergrama, no qual as variáveis eram agrupadas em clusters e plotadas no gráfico para identificar em quantos clusters ocorria o agrupamento mais heterogêneo e epidemiologicamente interpretável, através da tabulação de médias ou medianas de cada cluster pelas variáveis analisadas.

Após a inspeção de cada cluster, atribuiu-se, heuristicamente, os nomes que qualificam os grupos: “Fraco”, “Regular”, “Bom” e “Muito bom”. Assim, foram apresentados o percentual médio ou mediano e a quantidade de variáveis em cada grupo e a respectiva classificação.

Como os agrupamentos foram formados por variáveis com a mesma dimensão (percentual variando de 0 a 100 e sempre com a mesma quantidade de equipes), estas foram utilizadas sem padronização e, deste modo, não foram perdidas as características de variância.

RESULTADOS

Nas seguintes dimensões, são apresentados dois clusters para as respostas dos profissionais: coordenação do cuidado (Figura 1-A) com 38 variáveis; e longitudinalidade (Figura 1-B) com 16 variáveis. Na percepção dos usuários, as dimensões de longitudinalidade e coordenação do cuidado foram agrupadas (Figura 1-C) com 20 variáveis.

Figura 1
Clustergramas e distribuição das variáveis nos clusters das equipes de Atenção Primária à Saúde, Amazonas (2014). A- Coordenação de Cuidado declarada pelos profissionais. B- Longitudinalidade declarada pelos profissionais. C- Longitudinalidade e Coordenação do Cuidado, na percepção do usuário, Manaus, Amazonas, Brasil, 2014 Fonte: Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade de Atenção Básica (PMAQ-AB) ciclo 2, 2014.

À esquerda da Figura 1, estão os clustergramas (um para cada dimensão) com a demarcação do ponto de corte de clusters na vertical. No lado direito da Figura 1, está a distribuição da quantidade de variáveis em cada cluster e a denominação qualificadora do cluster conforme o percentual. Portanto, a altura da barra refere-se ao percentual atingido e o número sobre a barra é a quantidade de variáveis agrupadas naquele cluster.

Nas Figuras 1-A e 1-B, a maior quantidade de variáveis está classificada no cluster “Regular”, seguida do cluster “Bom”, que totaliza 68% das variáveis no primeiro caso (Figura 1-A) e 75% no segundo caso (Figura 1-B). Na Figura 1-C, a maior quantidade de variáveis recebeu classificação de cluster “Fraco” seguida de cluster “Regular”, correspondendo a 75% das variáveis referentes à percepção do usuário.

Na Tabela 1, são apresentadas as variáveis da Coordenação do Cuidado nas seguintes temáticas: saúde da mulher, saúde da criança, doenças crônicas, tuberculose/ hanseníase e encaminhamento a consultas especializadas.

Tabela 1
Atividades de coordenação do cuidado declaradas pela equipe da Atenção Primária à Saúde, conforme os subgrupos temáticos, Manaus, Amazonas, Brasil, 2014

Na temática saúde da mulher, a oferta de serviço e encaminhamento das gestantes classificadas por risco apresenta a classificação “Regular”. Nos registros de exames citopatológicos alterados, a classificação predominante é no cluster “Fraco” e a realização do exame citopatológico foi classificada no cluster “Bom”. Quanto à saúde da criança, as atividades relacionadas ao cadastro, caderneta da criança e à vacinação foram classificados em “Bom”. A maioria das atividades de busca ativa foram classificadas em “Regular”. A realização da rotina de atendimentos e levantamento do número de escolares identificados com necessidades foram atribuídos ao cluster “Fraco”.

Referente às atividades voltadas às doenças crônicas, a consulta ao cardiologista em tempo menor que 30 dias é pouco frequente (Regular). Observa-se que 92,5% das equipes afirmam realizar o acompanhamento dos pacientes hipertensos e diabéticos (cluster Bom), mas a programação de exames e consultas para esses pacientes em função do risco e vulnerabilidade, está na classificação “Regular”, assim como a garantia da realização do exame de fundo de olho.

Na Tabela 2 estão as variáveis da Longitudinalidade, que envolvem o planejamento da agenda, visitas/ cuidados domiciliares e satisfação do usuário. No planejamento da agenda, apenas 27,9% das equipes (Fraco) disponibilizam espaço na agenda para o usuário mostrar resultados de exames para os profissionais. Já a disponibilidade de agenda para sanar dúvidas dos usuários e agenda disponível de consultas para pessoas em sofrimento psíquico em qualquer dia e horário da semana, estão classificadas no cluster “Regular”. Em contrapartida, os profissionais informaram garantir o agendamento de consultas dos usuários que não são atendidos no mesmo dia (cluster Bom).

Tabela 2
Atividades de longitudinalidade declaradas pela equipe de Atenção Primária à Saúde conforme grupos de agenda, visitas, cuidados domiciliares e satisfação do usuário, Manaus, Amazonas, Brasil, 2014

A Tabela 3 trata das variáveis da Coordenação do Cuidado e Longitudinalidade pela percepção dos usuários e contém atividades voltadas para o acompanhamento, encaminhamento, satisfação do usuário, visitas, cuidados domiciliares, agenda, marcação e tempo para obter as consultas.

Tabela 3
Atividades de coordenação do cuidado e longitudinalidade na percepção dos usuários da Atenção Primária à Saúde, Manaus, Amazonas, Brasil, 2014

Na coordenação do cuidado, foi detectada menor variação da frequência: as variáveis indicam o acompanhamento, encaminhamento e planejamento classificados em “Fraco”. Na longitudinalidade, as variáveis que indicam a aprovação do usuário com relação ao tempo das consultas com os profissionais, estão classificadas em “Bom” e “Muito bom”. No entanto, a disponibilidade do mesmo profissional que atendeu o usuário na UBS ter facilidade para tirar dúvidas após o atendimento, e se os usuários são questionados sobre seus familiares, as variáveis são classificadas no cluster “Regular”. Em relação às visitas domiciliares, se recebem visita de outros profissionais da equipe de saúde (exceto o Agente Comunitário de Saúde), observamos a frequência de apenas de 13,2% (Fraco) nas respostas dos usuários.

Agregando todas as dimensões, há 74 variáveis, das quais 24 (32%) ficaram no grupo “Fraco”, 29 (39%) no grupo “Regular”, 19 (26%) no grupo classificado como “Bom” e duas (3%) variáveis no grupo “Muito bom”.

DISCUSSÃO

A coordenação refere-se à capacidade das equipes de APS coordenarem as ações no âmbito da própria APS, em outros níveis de atenção ou em instituições correspondentes a outras políticas públicas envolvidas no processo do cuidado. Relaciona-se à continuidade da atenção entre profissionais e serviços envolvidos no acompanhamento dos casos clínicos por meio de ferramentas de informação e comunicação, e à existência de referências/fluxos entre os serviços(10-11).

Os resultados encontrados nesse estudo apontam que os serviços de APS no Amazonas disponibilizam atenção a grupos prioritários específicos, conforme recomenda a PNAB(4). Isso reforça uma importante limitação quanto ao acompanhamento rotineiro dos casos com mais riscos, e as dificuldades são ainda maiores quando o projeto terapêutico requer encaminhamento para o acompanhamento compartilhado com outros profissionais e clínicas especializadas.

Chama-nos a atenção que em poucos casos, o percentual de respostas afirmativas sobre a realização das ações inerentes à APS chegue a pelo menos 90%, já que pelos protocolos estabelecidos, todas as atividades aqui avaliadas deveriam ser realizadas em sua completude, como recomendado pela PNAB(4). Isso certamente compromete o papel da APS como ordenadora do Sistema Único de Saúde, o que poderia garantir a abordagem integral com base nas necessidades de saúde de forma programática na assistência à saúde(1).

Embora algumas das atividades relacionadas à coordenação do cuidado da saúde da mulher e da saúde da criança sejam classificadas no cluster “Bom”, existem outras pouco desenvolvidas que podem comprometer a efetividade do cuidado, principalmente a coordenação do cuidado na consulta, a garantia de exames para a mulher, e a busca ativa de crianças conforme suas necessidades de saúde. A efetiva coordenação do cuidado pode integrar os serviços de saúde e os usuários à rede de saúde(12).

A realização de exames sem o devido registro de alteração nos resultados e a não realização de busca ativa são contraditórias, quando a maior parte das equipes afirma manter o acompanhamento. Essas constituem algumas das atividades que demonstram a coordenação do cuidado por meio da comunicação e a longitudinalidade pela facilidade de acompanhamento, quando há relação profissional-paciente(13). No entanto, não foi identificado se por falta de estrutura da rede de saúde municipal ou de organização das próprias equipes, a maioria das variáveis estão classificadas nos clusters “Fraco” e “Regular”.

Na literatura, é comum que longitudinalidade apareça como sinônimo de continuidade, mas o termo longitudinalidade no sentido de relação é mais apropriado, pois não depende de continuidade para existir(1). A continuidade poderia ser uma característica tanto da atenção especializada, como da APS, e não seria orientada para a saúde das pessoas, mas para problemas de saúde(14-15).

A organização dos serviços de APS no estado do Amazonas de acordo com os moldes propostos pelas diretrizes da PNAB(4) não é suficiente para garantir a oferta de cuidado que promova o vínculo longitudinal, e consequentemente, a efetivação de um cuidado integral em saúde.

As equipes afirmam organizar a ordem de prioridade para visitas domiciliares e pesquisas de satisfação dos usuários, todavia, é baixo o uso de protocolo ou levantamento com classificação de risco, prioridade ou frequência das visitas domiciliares, e até mesmo livros para a opinião dos usuários, o que dificulta a concretização da longitudinalidade.

Nesta avaliação, os atributos de longitudinalidade e coordenação do cuidado na AB no Amazonas são implementados de forma pouco frequente e fragmentada, visto que em sua maioria, estão classificados no cluster “Regular”. A baixa realização de atividades essenciais ao bom funcionamento da AB, tal como previsto na PNAB(4), reflete na baixa resolutividade da APS no Brasil(16). A dissociação entre planejamento, organização do serviço e acompanhamento dos usuários, também pode refletir na classificação do cluster “Fraco” ou “Regular” desses atributos. Como as atividades questionadas são baseadas na PNAB e previstas dentro do papel dos profissionais, esperar-se-ia um alto percentual de equipes cumprindo este papel. Os atributos da APS se configuram como ações interdependentes, pois, sem longitudinalidade e coordenação do cuidado, o vínculo profissional-usuário perde muito de seu potencial, e os outros atributos se tornam funções puramente administrativas(11-12).

Os atributos coordenação e longitudinalidade estão associados a integralidade, pois contribuem para a efetivação de um cuidado integral em saúde. Ao mesmo tempo, a coordenação do cuidado requer uma relação longitudinal, consistente e de confiança entre pacientes e profissionais, assegurando cuidados que levam em conta o contexto pessoal e social do usuário. Desse modo, a implementação de tais atributos transcende múltiplos episódios de responsabilidade que permeiam o cuidado em saúde na APS(2).

Pela percepção dos usuários, a longitudinalidade e a coordenação do cuidado não divergem substancialmente das respostas dos profissionais, e na maioria dos casos foram classificados no cluster “Fraco”. Embora os usuários se reconheçam sendo tratados pelo nome, recebam visitas dos Agentes Comunitários de Saúde e considerem satisfatório o tempo de consulta médica e de enfermagem, quando perguntados sobre aspectos mais relacionais e de acompanhamento dos usuário, foi identificada certa distância nas relações, o que pode refletir no grau desconfiança do usuário em relação ao profissional/equipe.

É possível que a reconhecida rotatividade dos profissionais da APS dificulte a longitudinalidade e a coordenação do cuidado(17), na medida em que estes atributos são correlatos ao vínculo(12). O fator tempo na relação profissionais/usuários pode ser determinante para a aceitabilidade, reconhecimento e desenvolvimento das ações de saúde(12,17-18). Problemas inerentes à atuação profissional na APS, tais como acúmulo de atividades, falta de recursos para cumprir suas funções, rotatividade de profissionais, e perfil dos profissionais(17,19) podem afetar as condições de vínculo equipe/usuários, além de desfavorecer a implementação do trabalho em equipe organizado com base no planejamento e na perspectiva do cuidado contínuo, integral, e ao longo do tempo.

Limitações do estudo

A fonte de dados utilizada para a realização desse estudo apresenta algumas limitações, como a ciência dos profissionais sobre as visitas e o próprio cenário, além das condições de estrutura física não contempladas nas unidades. Entretanto, existe a contribuição da caracterização e avaliação da APS com dados seguros, que é um trabalho de campo padronizado e efetuado com entrevistadores capacitados para observação e verificação dos documentos comprobatórios durante a avaliação. Ademais, o instrumento eletrônico continha regras de validação embutidas, saltos sistemáticos para os casos de perguntas que não se aplicassem e controle de tempo de aplicação.

Contribuições para a Política Pública

O PMAQ vincula o resultado da avaliação de desempenho das equipes a repasses de recursos financeiros para o gestor municipal, o que pode gerar interesse dos participantes em fornecer respostas mais positivas para o alcance dos melhores resultados. Apesar do foco avaliativo inicial, a maioria das variáveis identificadas ainda foi classificada no cluster “Regular”. Portanto, consideramos que os resultados aqui apresentados permitem avaliar a longitudinalidade e a coordenação do cuidado e apontar os elementos que necessitam de prioridade e ampliação pelos profissionais na APS.

CONCLUSÕES

A avaliação da AB em contexto amazônico revelou que, na percepção dos profissionais e dos usuários da AB, os atributos coordenação e longitudinalidade ainda se expressam de forma fraca e pouco desenvolvida.

Com a análise, observa-se que no estado do Amazonas, as equipes de AB ainda enfrentam limitações para a oferta de um cuidado integral, com persistentes barreiras organizacionais para a efetivação dos atributos longitudinalidade e coordenação do cuidado. A implementação desses atributos está, em grande parte, classificada no cluster de avaliação “Regular” e “Fraco”, que se revelam distantes do ideal. Ou seja, há uma necessidade latente de manter estratégias de qualificação dos processos de trabalho, assim como de delinear novos enfrentamentos ao que dificulta o cuidado integral em saúde.

Para tal, é preciso reconhecer o que tem gerado as barreiras organizacionais e o que poderia promover condições para as equipes APS atuarem na perspectiva de um cuidado contínuo, integral e coordenado. Estudos de base qualitativa, que considerem a realidade amazônica, são necessários para aprofundar tais questões.

Qualificar a organização da assistência na APS por meio dos atributos longitudinalidade e coordenação significa desenvolver ações como: realizar busca ativa, manter os registros atualizados e completos, identificar e priorizar os casos mais graves e grupos de risco, planejar condutas diferenciadas no caso de intercorrências, realizar acompanhamento dentro e fora do serviço da APS, e utilizar instrumentos com foco na comunicação e participação do usuário. Desta forma, concentrar esforços para a melhoria dos atributos de coordenação e longitudinalidade avançará beneficiando a APS.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Dulce Aparecida Barbosa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2018
  • Aceito
    08 Jul 2019