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» Volume 73

Número 3

http://dx.doi.org/

Ações judiciais relacionadas às coberturas assistenciais na saúde suplementar

RESUMO

Objetivos:

analisar as ações judiciais demandadas por beneficiários de uma operadora de plano de saúde.

Métodos:

estudo descritivo de corte transversal desenvolvido em uma operadora de plano privado de saúde de grande porte, utilizando dados compilados pela empresa no período de 2012 a 2015.

Resultados:

foram movidas 96 ações judiciais por 86 beneficiários, referentes a procedimentos médicos (38,5%), tratamentos (26,1%), exames (14,6%), medicamentos (9,4%), Home Care (6,2%) e 5,2% a outros tipos de internações. O maior número de ações dentre os procedimentos foi rizotomia percutânea; para tratamentos, a quimioterapia; exames solicitados de tomografia por emissão de pósitrons; para medicamentos, os antineoplásicos e para tratamento de Hepatite C.

Conclusões:

a razão para as demandas judiciais impetradas foi a negativa da operadora em atender os itens não pertencentes ao escopo do que foi contratado pelo beneficiário ou itens não regulamentados e autorizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, portanto sendo consideradas improcedentes.

Descritores:
Decisões Judiciais; Direito à Saúde; Saúde Suplementar; Judicialização da Saúde; Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to analyze lawsuits brought by beneficiaries of health insurance operators.

Methods:

this was a cross-sectional descriptive study carried out in a large-capacity private health insurance operator using data collected by the company from 2012 to 2015.

Results:

ninety-six lawsuits were brought by 86 beneficiaries regarding medical procedures (38.5%), treatments (26.1%), examinations (14.6%), medications (9.4%), home care (6.2%), and other types of hospitalization (5.2%). The procedures with the highest number of lawsuits were percutaneous rhizotomy; chemotherapy; treatment-related positron-emission tomography scans; and for medications relative to antineoplastic and Hepatitis C treatment.

Conclusions:

the lawsuits were filed because of the operators’ refusal to comply with items not established in contracts or not regulated and authorized by the Brazilian National Regulatory Agency for Private Health Insurance and Plans, refusals considered unfounded.

Descriptors:
Judicial Decisions; Right to Health; Supplemental Health; Health’s Judicialization; Health

RESUMEN

Objetivos:

analizar las acciones judiciales iniciadas por beneficiarios de planes de salud de prepago.

Métodos:

estudio descriptivo, transversal, desarrollado en importante operadora de planes de salud de prepago, utilizando datos recopilados por la empresa entre 2015 y 2015.

Resultados:

fueron impulsadas 96 acciones judiciales por parte de 86 beneficiarios, referentes a procedimientos médicos (38,5%), tratamientos (26,1%), estudios (14,6%), medicación (9,4%), Home Care (6,2%) y 5,2% por otros tipos de internación. La mayoría de acciones por procedimientos correspondió a rizotomía percutánea; en tratamientos, a quimioterapia; en estudios, a tomografía por emisión de positrones; en medicamentos, a antineoplásicos y para tratar la hepatitis C.

Conclusiones:

motivaron las acciones judiciales interpuestas la negativa de la operadora de planes de salud a cubrir prestaciones no incluidas en el alcance del plan contratado por el beneficiario, así como asuntos no reglados y autorizados por la Agencia Nacional de Salud Complementaria, considerándose, en consecuencia, improcedentes.

Descriptores:
Decisiones Judiciales; Derecho a la Salud; Salud Complementaria; Judicialización de la Salud; Salud

INTRODUÇÃO

As relações entre direito e saúde apresentam grandes desafios para o futuro dos sistemas de saúde não só no Brasil, mas também em grande parte do mundo. Dado que o setor de saúde necessita de permanente regulação para resolver imperfeições de mercado, o Poder Judiciário passa a ser, por excelência, o campo de aplicação para a solução de conflitos entre as necessidades, os direitos instituídos e as instituições públicas e privadas de saúde(1) .

Diante de um contexto de recursos escassos, aumento da expectativa de vida e multiplicação de doenças, o poder público apresenta dificuldade de transpor o direito à saúde para a prática, ou seja, cumpri-lo efetivamente, o que estimula o manejo de ações judiciais, a fim de compelir o Estado a fornecer os bens e serviços relacionados à saúde(2).

A saúde suplementar enfrenta alguns problemas tanto quanto o sistema público, no qual são frequentes as ações judiciais promovidas pelos beneficiários de planos de saúde, pleiteando cobertura, diminuição do tempo de carência, rescisões unilaterais e a não limitação de internações, com reflexos sobre o Poder Judiciário(3-4).

A judicialização marca um terreno de tensão entre diversos interesses e expressa um caminho para reivindicações de cidadãos e instituições, para garantir direitos firmados em leis nacionais e internacionais(5). A via judicial é o caminho para a efetivação do direito à saúde no que tange à solicitação de demandas individuais caracterizadas por medicamentos, aparelhos e insumos hospitalares. A expressão judicialização designa, de modo geral, o fenômeno de deslocamento de decisões políticas e sociais dos Poderes Legislativo e Executivo para o Poder Judiciário(6).

O estudo das ações judiciais relacionadas às restrições de coberturas busca trazer elementos para o aprimoramento da regulação e das práticas de um setor que tem grande impacto na conformação do financiamento e do funcionamento do sistema de saúde brasileiro(7).

A consequência imediata é a utilização de recursos econômicos que não estavam previstos e que têm de ser rapidamente alocados em razão da necessidade do cumprimento de ordem judicial obtida especificamente para este fim(8).

O fenômeno da judicialização é multifacetado, envolve aspectos políticos, sociais, éticos e sanitários que vão muito além de seu componente jurídico e de gestão de serviços públicos. Se, por um lado, uma parcela significativa do orçamento fica comprometida para atender demandas específicas de alguns pacientes, por outro, pode representar a única solução para melhorar, prolongar ou salvar a vida. Porém, há de se considerar que a decisão judicial nem sempre está pautada em protocolos clínicos de saúde ou evidências capazes de garantir a eficácia e a relação custo-efetividade. A avaliação e o controle sobre o uso de novas tecnologias são um aspecto fundamental para que se possa autorizar ou não a incorporação de novos procedimentos, terapias, exames, tecnologias e medicamentos(1).

A literatura sobre o tema quase sempre está voltada para a análise do problema quando verificado no Sistema Único de Saúde, com ênfase no fornecimento de medicamentos. Entretanto, é escassa a produção de conhecimentos que versa sobre as ações judiciais e os planos de saúde(3,9).

Estudos que evidenciem o volume e objetos das demandas, bem como sua dimensão econômica, poderão contribuir para o conhecimento e a avaliação do impacto desse fenômeno no setor suplementar de assistência à saúde. Tal cenário motivou a realização da presente pesquisa, que se justifica pela pouca informação a respeito do assunto, uma vez que a judicialização está efetivamente ocorrendo.

OBJETIVOS

Analisar as ações judiciais demandadas por beneficiários de uma operadora de plano de saúde.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi precedido de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e pela operadora de plano de saúde investigada, atendendo aos preceitos éticos da Resolução 466/2012, e encontra-se aprovado sob o nº de protocolo CAAE 46577015.6.0000.5393

Desenho, local do estudo e período

Estudo de abordagem quantitativa, transversal, desenvolvido em uma operadora de plano de saúde que faz parte de um sistema de cooperativas que é considerado o maior sistema cooperativista de trabalho médico do mundo e também a maior rede de assistência médica do Brasil, presente em 84% do território nacional. O sistema hoje é composto por 346 cooperativas médicas, que prestam assistência a mais de 18 milhões de beneficiários em todo o país, além de deter 37% do mercado nacional de planos de saúde. A operadora estudada tem uma parcela deste mercado, contando com 120 mil beneficiários, rede credenciada com 17 hospitais e clínicas especializadas, um hospital próprio e 926 médicos.

Amostra, critérios de inclusão e exclusão

A pesquisa envolveu a análise das demandas judiciais recebidas pela operadora no período de junho de 2012 a junho de 2015, que totalizaram 158 ações. Destas, foram excluídas 62 referentes as liminares de beneficiários de outras operadoras para cumprimento pela operadora estudada, manutenção do plano de saúde, reajustes, perícia médica, retirada do nome do Serasa e isenção de carências, itens considerados como critérios de exclusão. O critério de inclusão referiu-se às demandas judiciais de beneficiários da operadora estudada que ajuizaram ações referentes às coberturas assistenciais.

Procedimento de coleta

A coleta dos dados foi realizada por meio de um instrumento construído para a pesquisa contendo informações sobre a caracterização do paciente (idade, sexo, município de residência, estado civil, tipo de plano, beneficiário ativo ou não), tipo de solicitação requerida (internações, medicamentos, procedimentos médicos específicos, materiais médico-hospitalares, órteses e próteses e tratamentos sem cobertura pela lista mínima de procedimentos estipulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e desfecho das liminares. Esses dados foram obtidos na Assessoria Jurídica da empresa, que dispõe de um sistema de arquivo documental digitalizado.

Análise dos resultados e estatística

A análise quantitativa dos dados foi realizada pelo programa Epi-Info, versão 6.

RESULTADOS

Foram identificadas 96 ações judiciais relacionadas às coberturas assistenciais, sendo 40% (n=38) relativas a planos empresariais, seguidas dos planos individual/familiar, com 31% (n=30), e coletivo, com 29% (n=28). Houve, no período investigado de três anos, 27 ações no primeiro ano, 35 no segundo e 34 no terceiro ano.

Dessas liminares, dos beneficiários (n=86) que entraram com as ações judiciais, 50% (n= 43) eram do sexo feminino, 45,2% (n=39) na faixa etária dos 51 a 80 anos, 56,8% (n=49) solteiros e 58,9% (n=51) residiam na região onde a operadora se encontra instalada. Verificou-se que 9% (n=8) dos beneficiários ingressaram com mais de uma ação e duas liminares se referiam a dois beneficiários juntos.

Os objetos das ações pelos quais as pessoas buscaram a justiça foram agrupados por similaridade e expostos na Figura 1. A razão para a negativa do atendimento das ações judiciais está no fato de elas não incorporarem a lista de procedimentos regulados pela ANS.

Figura 1
Distribuição das ações judiciais (n=96) relacionadas à cobertura assistencial segundo o motivo da ação, Ribeirão Preto, São Paulo, 2015

Os itens mais frequentes em cada grupo foram detalhados para compreensão da análise realizada em cada um deles.

Os procedimentos médicos foram a categoria de maior destaque das 96 ações com 38,5% (n=37). A Figura 2, a seguir, apresenta o número de solicitações de ações segundo o procedimento médico. O maior percentual das 37 ações neste grupo refere-se à rizotomia percutânea, que representou 27% (n=10). Embora contemplada na lista da ANS, tem diretriz regulamentada segundo critérios de avaliação somente para pacientes com dor facetária.

Figura 2
Número de solicitações de ações segundo o procedimento médico solicitado, Ribeirão Preto, São Paulo, 2015

Das 96 ações, 26,1% (n=25), referiram-se às negativas dos tratamentos, sendo os quimioterápicos, 44% (n=11), os mais requisitados judicialmente, conforme apresentando na Tabela 1. As razões das negativas das liminares, em sua maior parte, referiram-se a tratamento em serviço não credenciado, 55% (n=6). Outros motivos corresponderam a “sem cobertura pela lista da ANS”, 18% (n= 2), plano não regulamentado, 9% (n=1), beneficiário inadimplente, 9% (n=1), e beneficiário em carência, 9% (n=1).

Tabela 1
Número de solicitações de ações segundo o tratamento solicitado, Ribeirão Preto, São Paulo, 2015

Do total das ações, 14,6% (n=14) referiram-se aos exames solicitados, estando o número de ações pleiteadas apresentado na Tabela 2. Merece destaque a tomografia por emissão de pósitrons, com 50% (n=7), cujo motivo da negativa se deu pela ausência de cobertura na lista da ANS, à época das solicitações.

Tabela 2
Número de solicitações de ações segundo o exame solicitado, Ribeirão Preto, São Paulo, 2015

As demandas judiciais para fornecimento de medicamentos responderam por 9,4% (n=9) do total de ações. A maioria das solicitações referiam-se a antineoplásicos, 56 % (n=5), e medicamentos para tratamento de hepatite C, 44% (n=4). O motivo da negativa para o item mais prevalente (antineoplásicos) foi a ausência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), na data da liminar.

O serviço de Home Care representou 6,2% (n=6) do conjunto total das demandas, sendo que as solicitações pleiteavam assistência de Enfermagem por 12/24 horas e atendimentos específicos como fisioterapia, fonoaudiologia, equipamentos e suprimentos. Para a operadora estudada, esse tipo de serviço não é oferecido nos contratos do plano de saúde, razão para a negativa.

Por último, as ações pleiteadas no Poder Judiciário para outros tipos de internações, equivalentes a 5,2% (n=5), tais como psiquiátricas e Unidade de Terapia Intensiva, obtiveram como motivo de negativa a internação em rede não credenciada.

DISCUSSÃO

Atualmente, existe uma crescente demanda de ações judiciais com pedidos relacionados à área de saúde, tanto do setor público como do privado. Busca-se, com a judicialização, a efetividade no atendimento de saúde, por meio das decisões judiciais que sentenciam o prestador a atender o usuário naquilo que entende como direito(10).

Observa-se uma certa linearidade no número das ações no triênio analisado. Não há dados científicos atualmente no país quanto ao volume das ações judiciais movidas pelos beneficiários, particularmente no que se refere ao setor privado da saúde. Estudo desenvolvido em uma entidade de alta gestão, que catalogou todas as ações judicias segundo unidade da federação, independentemente do seu objeto, obteve 3.569 ações relacionadas às coberturas assistenciais para uma população de 681.000 beneficiados(11).

Desde a criação da ANS, no ano de 2000, a lista tem sofrido revisões periódicas, a fim de garantir a inclusão de novos procedimentos e tecnologias médicas, em razão da própria evolução da medicina e das práticas assistenciais(12).

Não se deve considerar apenas o custo direto da utilização das novas tecnologias, mas também a economia decorrente de procedimentos evitados, embora se reconheça a inexistência de ferramentas que permitam uma avaliação prospectiva do impacto dessa incorporação(13).

Nesse cenário, são necessárias discussões em torno dos valores financeiros relativos às ações, de modo que se possam realizar análises desse balanço nas receitas operacionais e também sua inserção nos orçamentos anuais. No contexto da judicialização, a identificação dessa demanda, bem como o motivo da negativa por parte do prestador, se mostra importante, com o objetivo de entender a razão para tal. Implementar projeções orçamentárias em face do perfil identificado desses beneficiários poderia melhorar o desempenho dos indicadores, bem como a reestruturação da cobertura assistencial.

Na saúde suplementar, pela própria orientação da ANS, a cobertura assistencial encontra-se prevista em contrato, porém, verifica-se um embate com o Poder Judiciário, que tem apresentado um entendimento diferente, determinando que a operadora atenda o que o beneficiário e o judiciário entendem como direito, buscando a reversão da liminar somente após a liberação dos procedimentos, de modo a evitar o pagamento de multas(14).

Tal fenômeno tem sido chamado de tutela antecipada, no qual o único critério judicial para a concessão das liminares é a constatação da necessidade da urgência do acesso ao beneficiário(9).

As decisões judiciais, ao mesmo tempo que requerem máxima urgência, necessitam, também, de uma criteriosa avaliação para seu julgamento. No entanto, essa decisão fica a cargo de quem tem o dever de decidir, mas que, na realidade, não tem, necessariamente, conhecimento específico sobre o assunto.

Estudos internacionais também apontam decisões judiciais controversas para novas intervenções feitas sob incerteza, que podem trazer prejuízos aos pacientes, e que, além de serem ineficazes, podem impactar o aumento desnecessário dos custos da assistência. A introdução de sistemas avaliativos de novas tecnologias, com vistas a oferecer informações àqueles responsáveis pela tomada de decisão, é premente. Uma discussão mínima da Medicina Baseada em Evidências ou de seus pressupostos deve ser realizada. Nessa direção, estabelecer formas de atuação que sejam tecnicamente corretas e pré-elaborar diretrizes assistenciais podem oferecer às operadoras uma das poucas estratégias sustentáveis para questionar a demanda desenfreada e nem sempre crítica(15).

Buscando superar as consequências das interpretações judiciais, no Brasil se verifica uma iniciativa inédita e crescente de constituição dos Núcleos de Assessoria Técnica em Ações Judiciais da Saúde, como forma de auxiliar o Poder Judiciário com relação às demandas da população, por ser um assunto que requer conhecimento técnico e específico para que as decisões sejam tomadas. Sua composição tem sido multiprofissional, com incorporação de médicos, farmacêuticos, enfermeiros, nutricionistas, administradores, o que tem possibilitado um apoio técnico que melhor embase a análise das solicitações(12).

Na presente investigação, identificamos que a demanda mais relevante das ações judiciais foi referente aos procedimentos médicos, com 38,5% (n=37), o que corrobora investigação conduzida em uma entidade de autogestão em que esta também foi a principal solicitação, com 31,4%(9).

No entanto, estudos relacionados à judicialização no setor público, particularmente no Sistema Único de Saúde (SUS), têm identificado que a demanda mais prevalente tem sido por medicamentos, representando 29,6% das solicitações(14). Nos achados desse estudo na Operadora de Saúde (Sistema Suplementar), os medicamentos representaram 9,4% das ações judiciais, sendo o quarto motivo apontado pelos beneficiários.

Uma revisão sistemática na literatura mundial enfocando o uso da via judicial para fornecimento de medicamentos aponta serem esses o objeto dos processos mais expressivos no conjunto das ações pleiteadas, realidade essencialmente característica do Brasil(16).

Investigações conduzidas em São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais identificaram que as ações interpostas no SUS tinham, majoritariamente, uma prescrição médica de serviço privado de saúde, demonstrando que a população com maior poder aquisitivo estaria se beneficiando de tais ações(17).

Há de se considerar, ainda, a grande heterogeneidade da população usuária dos serviços de saúde, o que implica em necessidades diversificadas em face das características sociais, demográficas, econômicas e epidemiológicas, influenciando a demanda pelos serviços de saúde em diferentes regiões geográficas. Como consequência, o mapeamento das ações judiciais pode se constituir num processo de organização da assistência à saúde(5).

No que tange ao grupo de tratamento, os quimioterápicos foram os mais requisitados judicialmente neste grupo (44%). Optou-se por agrupar, nesse tópico, aquelas liminares cujas razões apresentadas pelos beneficiários, em sua maior parte, referiram-se à opção por realizar o tratamento em um serviço não credenciado, na cidade de São Paulo. Além dessas, verificou-se a ocorrência de beneficiários com planos não regulamentados para esse tipo de tratamento, mas que necessitaram dele e pleitearam o atendimento.

Uma reflexão a respeito desse item deve ser feita quanto ao desejo do beneficiário para a realização do atendimento num serviço especializado reconhecido como um centro de excelência para tratamento da doença que o acomete. O fato a se destacar, nesse caso, é que a judicialização passa a “funcionar” como via de acesso, evidenciando necessidades individuais bastante recortadas(18).

Para os exames, embora a tomografia por emissão de pósitrons já não seja uma tecnologia tão nova e vários estudos estejam sendo realizados para justificar ou ampliar sua utilização em áreas e patologias diversas, há de se considerar as indicações restritas estabelecidas pela ANS. Certamente pesam, nessa decisão, questões relativas à incorporação das tecnologias em saúde, em que os estudos de referência que demandam tempo e metodologia consistente são produzidos em uma velocidade mais lenta do que a utilização efetiva pela comunidade médica, gerando conflitos(11).

A atenção domiciliar na saúde suplementar não é parte da lista de procedimentos obrigatórios nem é regulada pela ANS, sendo que as operadoras optam por utilizar esse “guarda-chuva”, reservando para si mesmas os critérios de inclusão ou não dos usuários em programas de atenção que são oferecidos como “benefícios”(5). As operadoras que optam por ofertar essa modalidade de assistência estão sujeitas apenas às regulamentações da ANVISA, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC)(19), que explicita aspectos organizacionais da atenção domiciliar, porém não estabelece critérios de contratualização nem mecanismos de regulação.

Passou a ser comum a recusa de tratamentos pelos planos de saúde, apoiada no argumento de não integrarem a lista de procedimentos mínimos exigidos pela ANS, como é o caso do Home Care, sendo então custeados pela operadora(9).

No que tange a outros tipos de internação, são frequentes as ações judiciais promovidas pelos usuários de planos de saúde pleiteando cobertura, diminuição no tempo de carência, rescisões unilaterais e a não limitação de internações. Esse é um indicativo de direito de acesso, em disputa, das limitações da regulação no campo da saúde e da ausência de critérios claros para a incorporação tecnológica(3).

Os achados desse estudo identificaram que as negativas de atendimento por parte da operadora, motivadoras das ações judiciais, foram baseadas em argumentos contrários à concessão por ausência de cobertura contratual, uma vez que não constavam da lista de Procedimentos da ANS: solicitação de serviços não credenciados; medicamentos sem a devida regulamentação pela ANVISA e serviços não oferecidos nos contratos firmados.

Deve-se levar em conta que a prestação de serviços de saúde pelas operadoras implica relações contratuais bem explícitas, direitos e deveres de ambas as partes.

Desde que foi criada, a ANS vem tratando de regulamentar o setor nas várias dimensões de sua atuação, tais como a definição das regras de cobertura de um plano de saúde de referência, o estabelecimento de uma lista mínima de procedimentos cobertos, a definição de parâmetros de funcionamento das operadoras e de operação da rede credenciada(12).

Torna-se um desafio para os planos de saúde a elaboração da lista de procedimentos de cobertura obrigatória aos seus beneficiários, especialmente pela necessidade de disciplinar a incorporação dos novos tratamentos que surgem em grande velocidade, resultando em um impacto econômico considerável sobre as operadoras quando de sua inclusão(9).

A lista de procedimentos tem recebido atualizações de inclusões e exclusões de procedimentos da saúde a cada dois anos, permitindo, assim, a adoção de novas tecnologias; porém, tal ação nem sempre vem acompanhada de um estudo de viabilidade, em razão do aumento dos gastos que esta incorporação causará à saúde suplementar(12).

Limitações do estudo

Entre as limitações deste estudo, cabe mencionar ter sido desenvolvido em uma única operadora, fato que não permite generalizações para outros contextos, e, por último, não foi possível identificar o impacto financeiro das negativas para a operadora.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

A judicialização é tema recorrente na esfera pública e vem ocupando grande parte das discussões, mas quase não tem levantamento no segmento privado e, se existe, não está publicado.

Entretanto, em muitas situações, o Poder Judiciário foi criticado por intervir na área da saúde, desconsiderando as normas e políticas de gestão estabelecidas e fazendo cumprir a lei, baseando-se no direito à vida. Entretanto, há de se entender que saúde não tem preço; é um bem de relevância, mas tem custo.

O gasto financeiro da judicialização, tanto no sistema público de saúde como na saúde suplementar, faz um alerta para os gestores manterem áreas específicas para análise e acompanhamento destes processos, uma vez que, no presente estudo, foram identificados os mesmos beneficiários acionando o Poder Judiciário mais de uma vez. O gasto financeiro com as liminares não é algo fixo que as operadoras consigam mensurar. Administrar gastos e reservas para essas finalidades se torna um indicador primordial em virtude do momento que vivemos.

O segmento da saúde suplementar é de grande conflito, uma vez que precisa da supervisão da ANS, sendo que esta vem aprimorando o sistema de acompanhamento e avaliação da assistência prestada pelas operadoras aos seus consumidores.

Dessa forma, os processos avaliativos são de grande valia no funcionamento dos sistemas, a auditoria é a avaliação sistemática e tem se apresentado como uma possibilidade de trabalho importante de integração do profissional enfermeiro nessa equipe. Observa-se um incremento substancial desse profissional nas operadoras de planos de saúde no segmento seguro-saúde e planos de assistência médico-hospitalar.

São as áreas de auditoria das instituições de saúde, tanto públicas como privadas, que têm enfrentado a judicialização de forma cotidiana. A auditoria, gestão de processos, legislação vigente, normativas da ANS e o conhecimento sobre cobranças de contas hospitalares acabam sendo fatores que permeiam o embasamento das ações judiciais e que, portanto, precisam compor o universo de conhecimento do trabalho do enfermeiro nessa área específica.

Conhecer os motivos dos beneficiários demandantes torna-se necessário, porém o auditor deve respaldar-se técnica e legalmente, pautado numa prática baseada em evidência, quando da avaliação do pleito do beneficiário.

O problema da judicialização parece estar longe de uma resolução em curto prazo, e deve-se considerar legítima a discussão também em torno do impacto financeiro que esse processo determina.

Evidencia-se, nesse último, um predomínio de investigações envolvendo o sistema público de saúde, o que demonstra a importância da presente pesquisa, que trouxe um diferencial ao abordar o sistema privado, permitindo uma discussão ampla sobre os efeitos da judicialização na realidade da operadora pesquisada, abarcando seus limites e responsabilidades.

CONCLUSÕES

A análise das ações judiciais demandadas por beneficiários de uma operadora de plano de saúde evidenciou que elas não se enquadravam no escopo do que foi contratado pelo beneficiário ou não pertenciam a itens regulamentados e autorizados pela ANS, portanto sendo consideradas improcedentes.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa
EDITOR ASSCOAIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2018
  • Aceito
    30 Abr 2019