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» Volume 73

Número 1

http://dx.doi.org/

Influência do uso de drogas na atenção plena entre estudantes de enfermagem

RESUMO

Objetivo:

Verificar a associação da presença do uso de drogas com as dimensões da atenção plena em uma população de estudantes do ensino técnico em enfermagem.

Método:

Estudo correlacional, realizado em uma instituição de ensino do interior paulista, em 2017. Participaram 135 alunos para os quais foi aplicado o questionário ASSIST com dados de caracterização pessoal e o Questionário das Cinco Facetas do Mindfulness. Os dados foram submetidos à estatística descritiva e analítica.

Resultados:

As drogas mais utilizadas foram álcool, tabaco e maconha. O menor escore obtido para a atenção plena foi de 49 e o máximo de 171 pontos. Houve associação positiva entre a presença de drogas nos últimos três meses e a faceta “não reagir à experiência interna” (p=0,004).

Conclusão:

Embora a associação pareça consonante com os preceitos do mindfulness, este dado não pode ser considerado positivo se analisado separadamente dos outros conceitos da atenção plena.

Descritores:
Atenção Plena; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Estudantes de Enfermagem; Educação Técnica em Enfermagem; Saúde Mental

ABSTRACT

Objective:

To assess the association between the presence of drug use and the dimensions of mindfulness in a population of students of technical education in nursing.

Method:

Correlational study conducted in a teaching institution in the inlands of the state of São Paulo, in 2017. Participants were 135 students for which the ASSIST questionnaire with personal characterization data and the Mindfulness Five-facet Questionnaire were applied. Data were analyzed with use of descriptive and analytical statistics.

Results:

The most used drugs were alcohol, tobacco and cannabis. The lowest score for mindfulness was 49 and the maximum was 171 points. There was a positive association between the presence of drugs in the three previous months and the “non-reactivity to internal experience” facet (p=0.004).

Conclusion:

Although the association seems to be in line with the precepts of mindfulness, this fact cannot be considered positive if analyzed separately from the other concepts of mindfulness. Descriptors: Mindfulness; Substance Use Disorders; Nursing Students; Technical Education in Nursing; Mental Health.

Descriptors:
Mindfulness; Substance Use Disorders; Nursing Students; Technical Education in Nursing; Mental Health

RESUMEN

Objetivo:

Verificar la asociación entre la presencia del consumo de drogas y las dimensiones de la atención plena en una población de estudiantes de educación técnica de enfermería.

Método :

Investigación correlacional realizada en una institución de enseñanza en el interior de São Paulo, en 2017. Participación de 135 estudiantes para quienes se aplicó el cuestionario ASSIST con datos de caracterización personal y el cuestionario de cinco facetas de Mindfulness. Los datos se sometieron a estadísticas descriptivas y analíticas.

Resultados:

Las drogas más utilizadas fueron el alcohol, el tabaco y el cannabis. La puntuación más baja para mindfulness fue 49 y la máxima fue de 171 puntos. Hubo una asociación positiva entre la presencia de drogas en los últimos tres meses y la faceta “no reaccionar a la experiencia interna” (p=0.004).

Conclusión:

Aunque la asociación parezca estar en línea con los preceptos de mindfulness, este hecho no puede considerarse positivo si se analiza por separado de otros conceptos de la atención plena. Descriptores: Atención Plena; Trastornos por Uso de Sustancias; Estudiantes de Enfermería; Educación Técnica en Enfermería; Salud Mental.

Descriptores:
Atención Plena; Trastornos por Uso de Sustancias; Estudiantes de Enfermería; Educación Técnica en Enfermería; Salud Mental

INTRODUÇÃO

A atenção plena ou mindfulness vem despertando o interesse de pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento devido à relevância dos seus efeitos na melhoria da qualidade de vida e bem estar dos indivíduos(1). Embora reconhecido e investigado internacionalmente nas últimas décadas, no Brasil há poucos estudos desenvolvidos sobre essa temática.

De modo geral, mindfulness pode ser definido como um estado mental inerente aos indivíduos, como também uma disposição/traço de personalidade, que pode ser desenvolvido e/ou aperfeiçoado através da realização de práticas específicas, geralmente contidas em programas de intervenção desenvolvidos para esta finalidade(2-4).

Algumas correntes teóricas buscam descrever as características centrais que configuram o estado de mindfulness(4), mas a maioria concorda que este estado pode ser caracterizado por quatro características ou componentes principais interligados(3-4). O primeiro é chamado de não-elaborativo e implica que as pessoas não fiquem presas na elaboração automática da experiência e de suas associações. Portanto, a intenção é observar de forma consciente, os pensamentos e emoções que as experiências provocam sem a influência de situações já vividas.

O segundo componente, não-julgador, está relacionado com a capacidade das pessoas observarem as experiências sem julgamentos, ao invés de baseadas em seus sistemas de crenças e expectativas adquiridas durante a vida(3-4).A terceira característica é chamada“centrado no aqui-e-agora”. Nela, os indivíduos procuram analisar as experiências de forma atenta ao momento presente, e não com referência a momentos passados(3-4). Por último, os pensamentos, sentimentos e sensações que surgem no campo atencional são reconhecidos e aceitos como tal pelos sujeitos(3-4).

No contexto científico acadêmico, as práticas baseadas na atenção plena originaram-se com os trabalhos de Jon Kabat-Zinn, que introduziu a meditação budista na prática clínica ocidental; inicialmente no tratamento da dor crônica e posteriormente no tratamento junto a transtornos de ansiedade(3). Frente aos resultados positivos das práticas, sua aplicabilidade pode ser evidenciada em diversos campos e contextos(3-6). Especificamente no que se refere ao estresse, a prática de atenção plena tem demonstrado resultados promissores em indivíduos com níveis elevados de resposta ao estresse e favorecido o retorno dos parâmetros fisiológicos aos níveis basais(7).

Por outro lado, alguns fatores podem atuar como moduladores ou interferentes da atenção plena, como por exemplo, o uso de drogas(1,5,8). O uso de drogas tem recebido atenção dos pesquisadores da área de mindfulness por ser considerado um aspecto paradoxal na determinação deste estado(8). Em outras palavras, significa afirmar que o uso de drogas faz interface com o mindfulness a partir do momento em que: 1) o uso de drogas pode ocorrer como resposta ou consequência ao estresse; e 2) o uso de drogas pode induzir/ provocar comportamentos automáticos ou irreflexivos, mas que podem ser regulados a partir da prática da atenção plena.

Como o uso de drogas é considerado um fator potencialmente importante na determinação da atenção plena, este estudo se propõe investigar a influência desta variável no nível de atenção plena de estudantes da formação técnica de nível médio em enfermagem que nunca realizaram exercícios para o aperfeiçoamento deste estado mental.

Essa população foi escolhida por esses futuros profissionais constituírem o maior contingente das equipes no cotidiano dos serviços de saúde, além de manterem contato direto com a clientela, a família e a comunidade, o que oferece potencial (bem descrito na literatura) para o desenvolvimento do estresse e uso ou abuso de drogas(9-11). Até a elaboração deste estudo, na literatura científica não havia pesquisas investigando a relação destas variáveis na área de enfermagem, e especialmente, na formação técnica de nível médio.

OBJETIVO

Verificar a associação da presença do uso de drogas com as dimensões da atenção plena em uma população de estudantes do ensino técnico em enfermagem.

MÉTODO

Aspectos éticos

O projeto foi autorizado pela instituição de ensino e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Os alunos foram convidados para participar do estudo pessoalmente na instituição de ensino. Também foram informados e esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e da voluntariedade da participação. A anuência com a pesquisa foi expressa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias. Uma via ficou em posse do pesquisador e a outra com o participante do estudo.

Desenho, local do estudo e período

Estudo transversal e correlacional, realizado em uma instituição privada de ensino técnico em enfermagem do interior do estado de São Paulo, Brasil, no mês de junho de 2017. A cidade em questão possui uma população estimada de 674.405 mil habitantes(12). No início da pesquisa, a instituição contava com 350 alunos matriculados, dos quais cerca de 250 estavam efetivamente frequentando o curso.

Esta instituição foi escolhida intencionalmente pelo fato de possuir na época, o maior número de estudantes do curso técnico em enfermagem da região, e também por sua parceira acadêmico-pedagógica com a instituição sede da presente pesquisa.

Amostra e critérios de inclusão/exclusão

Neste estudo, participaram 135 alunos (54% do total de estudantes frequentando o curso) de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, e presentes na instituição nos dias da coleta de dados. A amostra foi intencional ou por conveniência. Houve perda de 115 (46%) alunos, dos quais 62 (24,8%) recusaram a participação na pesquisa e 53 (21,2%) estavam desenvolvendo estágio com práticas em outras cidades da região.

Protocolo do estudo

Os instrumentos de pesquisa utilizados foram um questionário com variáveis de caracterização pessoal elaborado pelos próprios pesquisadores, o Teste de Triagem do Envolvimento com Álcool, Tabaco e Outras Substâncias (ASSIST), e o Questionário das Facetas de Mindfulness (FFMQ-BR), ambos para uso na população brasileira(13-14).

O instrumento ASSIST é um questionário estruturado contendo oito questões sobre o uso de nove classes de substâncias psicoativas (tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos e opiáceos). As questões abordam a frequência de uso na vida e nos últimos três meses, problemas relacionados ao uso, preocupação a respeito do uso por parte de pessoas próximas ao usuário, prejuízo na execução de tarefas esperadas, tentativas malsucedidas de cessar ou reduzir o uso, sentimento de compulsão e uso por via injetável.

Cada resposta corresponde a um escore que determina o grau de dependência (uso ocasional, indicativo de abuso e sugestivo de dependência) para cada uma das substâncias, que varia de 0 a 4, sendo que a soma total pode variar de 0 a 20. Para este estudo, foram considerados apenas os escores que indicavam a presença de uso de drogas na vida e nos últimos três meses, independentemente do tipo de droga utilizada.

A finalidade do FFMQ é mensurar os níveis de atenção plena de forma multidimensional. Contém 39 questões e para cada sentença,

o entrevistado circula a resposta que melhor descreve a frequência de concordância, variando de 1=nunca ou raramente verdadeiro até 5=quase sempre ou sempre verdadeiro. Nessa escala, o conceito de mindfulness está dividido nos cinco componentes centrais a saber:

Observar, que inclui notar ou estar atento a experiências internas e externas, tais como sensações, cognições, emoções, visões, sons e cheiros; (2) Descrever, que se refere a caracterizar experiências internas através de palavras; (3) Agir com consciência, que se refere a estar atento às atividades do momento e pode ser contrastado com

o comportamento mecânico enquanto a atenção está focada em outra coisa, conhecido como piloto automático; (4) Não julgamento da experiência interna, que se refere a não tomar uma postura de avaliação e julgamento em relação aos pensamentos e sentimentos; e (5) Não reatividade à experiência interna, que se refere à tendência a permitir que os pensamentos e sentimentos venham e vão sem se deixar afetar ou ser tomado por eles.

Para a interpretação da escala, o componente “(2) Descrever”, está subdividido em duas dimensões, “Descrever - formulação positiva” e “Descrever - formulação negativa”, portanto são seis facetas no total.

Para a coleta dos dados, foi solicitada à instituição de ensino uma listagem de todos os alunos

em participar do estudo assinaram o TCLE e receberam um envelope opaco contendo o questionário das informações pessoais e

o FFMQ, que foi recolhido pelo pesquisador no dia seguinte. Em alguns casos, os alunos preferiram deixar o envelope na secretaria do curso. Depois, os sujeitos foram entrevistados individualmente de forma privativa para responder às questões do instrumento ASSIST, conforme o protocolo de aplicação desse instrumento.

Análise dos resultados e estatística

Os dados coletados foram codificados e tabulados em planilha no programa computacional Microsoft Excel ® 2010, em dupla digitação. Os dados foram exportados para o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences ® (SPSS), versão 24.0. Foram testadas associações entre a presença do uso de drogas na vida e nos últimos três meses e dimensões da atenção plena, adotando o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Os sujeitos foram em sua maioria do sexo feminino (117 - 86,7%), com idade variando de 18 a 56 anos, sendo que 89 (65,9%) pertenciam à faixa etária de 18 a 29 anos. Quase metade da amostra se declarou da cor branca (66 - 48,9%) e outra a metade da cor parda (58 - 43,0%). Grande parte era solteira (66 - 48,9%) e não possuía filhos (88 - 65,2%).

Com relação à presença do uso de drogas na vida, o álcool (85

- 63,0%), o tabaco (41 - 30,4%), e a maconha (33 - 24,5%) foram as substâncias mais relatadas, seguidas em menor frequência pela cocaína/crack e pelos hipnóticos/sedativos (11 - 8,2%, cada). A caracterização do uso de drogas nos últimos três meses foi similar às três principais drogas referidas quanto ao uso na vida, visto que o álcool (71 - 52,6%), o tabaco (27 - 20,0%) e a maconha (12 - 8,9%) também foram as substâncias mais frequentemente relatadas.

Quanto ao nível de atenção plena, o menor escore foi de 49 e o máximo de 171 pontos, com média de 109 pontos. A Tabela 1 apresenta a distribuição da pontuação de acordo com as dimensões do FFMQ. De modo geral, a análise estatística relevou resultados homogêneos, e os participantes apresentaram escores intermediários (ou medianos) em cada faceta da atenção plena, considerando as pontuações máximas e mínimas de cada uma delas.

Tabela 1
Distribuição da população quanto às dimensões da atenção plena, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2017 (N=135)

A associação da presença do uso de drogas na vida e nos últimos três meses com as facetas da atenção plena pode ser visualizada na Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição da população quanto à associação da presença do uso de drogas na vida e nos últimos três meses, com as facetas da atenção plena, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2017 (N=135)

Apenas a faceta 6 - “não reagir à experiência interna” foi significante para o uso de drogas nos últimos três meses (p=0,004). O uso de drogas na vida não apresentou associação com as facetas ou com o escore total do FFMQ.

DISCUSSÃO

Apesar dos poucos estudos realizados com estudantes do ensino técnico em enfermagem, as características pessoais da amostra foram semelhantes às descritas na literatura, porém divergentes ao considerar os dados disponíveis em relação à idade, estado civil e presença de filhos, particularmente(15-17).

Dois estudos que identificaram o perfil dos estudantes do ensino técnico no Brasil merecem destaque. O primeiro estudo foi desenvolvido na cidade do Rio de Janeiro com 1.400 participantes ingressos do curso de ensino técnico(16). A caracterização sociodemográfica dos alunos mostrou que o grupo foi predominantemente feminino (85,7%), a faixa etária de 65,6% dele concentrava-se entre 31 a 50 anos, e 51,5% estavam casados e possuíam filhos. O segundo estudo foi realizado com egressos dos cursos em uma amostra probabilística de 215 participantes distribuídos nas cidades do estado de São Paulo(17). A maioria dos respondentes eram mulheres casadas com média de 42,2 anos de idade.

Com base nesses estudos, a presente amostra divergiu ao considerar que grande parte estava na faixa etária de 18 a 29 anos de idade, era solteira e não possuía filhos. Uma possível explicação pode ser que os estudos mencionados incluíram indivíduos que já exerciam a profissão de enfermagem e estavam buscando a complementação da formação, ou ainda por questões sociais estruturais mais abrangentes em termos de mudanças no perfil econômico do Brasil, como o aumento da procura por profissões da formação técnica pela necessidade do mercado de trabalho.

Quanto ao tipo de drogas utilizadas, os dados são semelhantes aos da população em geral e também aos da população universitária, visto que o álcool, o tabaco, e a maconha, foram as substâncias mais relatadas, seguidas em menor frequência pela cocaína/crack e pelos hipnóticos/sedativos, tanto no uso na vida quanto no uso durante os últimos três meses. O mais recente e abrangente levantamento epidemiológico sobre o consumo de drogas do Brasil envolveu as 108 maiores cidades do país, foi realizado em 2005 e denominado de II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas. Neste estudo, as drogas de maior uso na vida foram o álcool em primeiro lugar, com 74,6%, seguido pelo tabaco com 44,0% e maconha com 8,8%(18).

Quanto ao nível de atenção plena, a amostra apresentou uma média de 109 pontos. Como não há uma linha de corte para a interpretação do escore total do instrumento FFMQ - somatória de todas as questões (195 pontos) - pode-se dizer que a amostra obteve um nível regular de atenção plena. Embora possa ser classificado com um nível regular (em termos estritamente numéricos), como os estudantes da amostra nunca realizaram exercícios para o treinamento desse estado mental, este dado poderia ser entendido como satisfatório.

Apesar das facetas da atenção plena terem acompanhado a mesma distribuição do escore total do FFMQ e apresentado valores medianos, a associação entre a presença do uso de drogas com as dimensões do mindfulness mostrou que a faceta 6 - “não reagir à experiência interna”, foi significante para o uso de drogas nos últimos três meses (p=0,004). Essa faceta se refere à habilidade dos indivíduos de não serem afetados ou tomados negativamente pelos sentimentos e pensamentos que surgem internamente(19).

A associação positiva entre ter utilizado drogas recentemente e a capacidade de não reagir às experiências internas (consistente com uma postura mindfulness) deve ser analisada com cuidado. Na atenção plena, a não reatividade à experiência interna é uma das características que, somada aos outros aspectos do mindfulness, permite que os sujeitos saiam do modo automático para uma resposta consciente(14,19).

Não reagir à experiência interna por si só não deve ser tomado como algo positivo ou que corresponda em sua totalidade aos preceitos da atenção plena. A percepção de “alta resolução” dos pensamentos e emoções no momento que eles surgem é uma das etapas, ou parte do caminho para sair da impulsividade para uma resposta consciente.

Portanto, o uso de drogas, apesar de ter apresentado uma associação positiva com a habilidade de não reagir à experiência interna na população investigada, não pode ser considerado como um resultado positivo se analisado separadamente dos outros constructos que constituem a “filosofia” da atenção plena. Isso significa afirmar que a capacidade de não reagir às demandas internas deve ser acompanhada por outras habilidades para o alcance real da atenção plena, como por exemplo, a observação e o não julgamento da experiência(14,19).

Seria possível ponderar que, na população em questão, a não reatividade às experiências internas provocadas pelo uso recente de drogas poderia produzir uma postura incapaz de perceber e refletir sobre os estímulos internos, agindo ou operando de forma irreflexiva, comportamentos já bem descritos na literatura em pessoas que fazem uso de drogas(14,19).

Por outro lado, esta associação encontrada foi semelhante a um estudo realizado com 944 estudantes universitários nos Estados Unidos, em que o FFMQ foi utilizado para mensurar a atenção plena(19). Em tal estudo, a não reatividade foi uma faceta moderadamente associada, dentre outros aspectos, com a falta de concentração ou foco e com níveis mais baixos de intolerância ao sofrimento. Chama atenção que esta dimensão apresentou associação estatística mais significativa com a presença de sintomas depressivos, estresse e problemas com o uso de álcool.

Este resultado se fortalece frente aos conteúdos que compõem os programas baseados em mindfulness para a redução e/ ou manejo dos episódios de recaída ao uso de drogas, como o Mindfulness Based Relapse Prevention, os quais são direcionados para trabalhar as habilidades e os comportamentos das pessoas em não reagirem de forma automática às drogas, juntamente com os outros conceitos da atenção plena(5).

Em consonância, estudo realizado com 187 pacientes que buscaram tratamento em uma clínica de humor e transtornos de ansiedade em Connecticut nos Estados Unidos, encontrou que a não reatividade à experiência interna foi estatisticamente significante com a presença de sintomas de ansiedade e de depressão(20). Os achados apoiam associações entre facetas específicas da atenção plena e destacam a utilidade potencial de direcionar esses aspectos específicos nas intervenções para distúrbios psiquiátricos, como a dependência do uso de drogas, por exemplo.

Limitações do estudo

Uma das limitações deste estudo foi a informação sobre o uso de drogas ter sido obtida por meio da resposta dos estudantes. Mesmo oferecendo privacidade e conforto, este é um assunto de abordagem delicada, pois os sujeitos podem não ter revelado o consumo real das substâncias, sobretudo por serem profissionais de saúde em formação.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Os achados são relevantes na população investigada na medida em que determinadas habilidades psicológicas para lidar com os mecanismos de reatividade interna são essenciais para o exercício da profissão de enfermagem, especialmente pela prontidão necessária em situações de urgência/emergência e no estabelecimento de vínculos interpessoais terapêuticos sustentados pela empatia e alteridade.

Recomenda-se conduzir estudos longitudinais para aprofundar a compreensão da temática e acompanhar a evolução do uso de drogas para determinar os níveis de atenção plena e especialmente a reatividade interna.

CONCLUSÃO

O objetivo deste estudo foi verificar a associação da presença do uso de drogas na vida e nos últimos três meses com as dimensões da atenção plena em uma população de estudantes do ensino técnico em enfermagem. Embora o uso de drogas tenha apresentado associação com a não reatividade às experiências internas, em consonância com uma postura mindfulness, este dado não pode ser considerado positivo se analisado separadamente do conceito dos outros constructos que constituem a atenção plena.

Considerando a qualificação incipiente de muitos profissionais da formação técnica em enfermagem, poucas iniciativas têm considerado outros fatores, que não somente os pedagógicos, e que são potencialmente relevantes para o melhor desempenho e aproveitamento durante a formação destes alunos, o que reforça a relevância dos resultados encontrados neste estudo.

É conhecido que o processo de educação dos trabalhadores da área da saúde tem estreita relação com a qualidade do cuidado que será prestado futuramente. Dessa forma, a formação e a capacitação de recursos humanos na enfermagem, especialmente em nível técnico, necessita receber atenção dos órgãos competentes e sobretudo, considerar todos os determinantes envolvidos, com vistas à melhoria da qualidade dos cuidados que serão prestados por esses futuros trabalhadores.

  • FOMENTO
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Universal MCTI/CNPq 01/2016, processo número 424062/2016-0.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2017
  • Aceito
    06 Nov 2018