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» Volume 72

Número suppl.3

http://dx.doi.org/

Memória coletiva de cuidado ao coto umbilical: uma experiência educativa

RESUMO

Objetivo:

Relatar a experiência educativa com gestantes a partir do resgate da memória coletiva herdada de cuidado ao coto umbilical realizado pelas avós.

Método:

Relato de experiência fundamentado na memória coletiva, oriundo de uma oficina com 20 gestantes de uma Unidade Básica de Saúde em um município do interior baiano.

Resultados:

Observou-se que as gestantes têm as avós como pessoas significativas no cuidado ao coto, as quais transmitem suas memórias permeadas de crenças, mitos e crendices que, embora devam ser respeitados pelo enfermeiro e demais profissionais de saúde, por vezes, podem contribuir para a ocorrência de onfalites e tétano neonatal.

Considerações finais:

Percebeu-se a necessidade de sensibilização e educação de todos os envolvidos nesse cuidado, principalmente as avós, no sentido de que possam refletir sobre os riscos e danos que certos conhecimentos empíricos podem causar à saúde do coto umbilical.

Descritores:
Cuidado, Memória; Educação em Saúde; Cordão Umbilical; Cultura; Tétano

ABSTRACT

Objective:

To report the educational experience with pregnant women considering the recovery of collective memory inherited from the care for the umbilical cord stump provided by grandmothers.

Method:

This case study was based on collective memory and resulted from a workshop with 20 pregnant women from a Basic Health Unit in a city in the inland of Bahia.

Results:

The study showed that pregnant women’s grandmothers are significant in the stump care process because they transmit their memories pervaded by beliefs, myths and superstitions that, although should be respected by nurses and other health professionals, can sometimes contribute to the occurrence of omphalitis and neonatal tetanus.

Final considerations:

The results indicated the need for raising awareness and education of all persons involved in this care, especially grandmothers, so that they can reflect on the risks and damage that certain empirical knowledge can cause to the health of the umbilical cord.

Descriptors:
Care, Memory; Health Education; Umbilical Cord; Culture; Tetanus

RESUMEN

Objetivo:

Relatar la experiencia educativa con gestantes a partir del rescate de la memoria colectiva sobre el cuidado del muñón umbilical realizado por sus abuelas.

Método:

Relato de experiencia con base en la memoria colectiva de 20 gestantes participantes en un taller de una Unidad Básica de Salud, en un municipio del interior de Bahía (Brasil).

Resultados:

Se observó que las gestantes consideran a sus abuelas personas significativas en el cuidado del muñón umbilical, y transmitieron sus memorias repletas de creencias, mitos y supersticiones que, aunque deben ser respetados por el enfermero y los demás profesionales de salud, a veces pueden colaborar con la ocurrencia de onfalitis y tétano neonatal.

Consideraciones finales:

Es necesaria la sensibilización y educación de todos los involucrados en ese cuidado, principalmente las abuelas, para que puedan reflexionar sobre los riesgos y daños que pueden causar ciertos conocimientos empíricos a la salud del muñón umbilical.

Descriptores:
Cuidado, Memoria; Educación en Salud; Cordón Umbilical; Cultura; Tétanos

INTRODUÇÃO

O cordão umbilical após ser cortado é chamado coto umbilical e precisa passar por um processo fisiológico de desidratação e mumificação para que possa ocorrer a sua queda em um período entre 10 e 15 dias, permanecendo apenas uma cicatriz conhecida popularmente por umbigo (1).

Durante esse processo, o coto deve ser mantido limpo e seco e o curativo realizado após a troca de fraldas e banho. A técnica de realização desse procedimento passou por várias mudanças no decorrer dos anos, sendo que a partir de 2001 estabeleceu-se a orientação padrão para o uso do álcool etílico 70%, devendo o coto e a área circundante ficarem descobertos, a fim de que ocorra uma aeração adequada que favoreça a mumificação rápida e queda em menor tempo (1-2).

A segurança nesse cuidado requer também que a ação seja precedida da lavagem das mãos com sabão e água corrente. A limpeza adequada deve ser feita embebendo um cotonete ou gaze esterilizada com o álcool passado sequencialmente da base à extremidade e, quando da colocação da fralda, esta deve ser dobrada e posicionada abaixo do coto (2).

Um fator importante relacionado ao cuidado dessa pequena estrutura diz respeito às crendices populares, a exemplo do uso da faixa umbilical no abdômen do recém-nascido (RN) como medida para prevenir a formação de uma hérnia umbilical. Há de se considerar que essa crença precisa ser desmitificada, pois está comprovado cientificamente que tal procedimento em nada previne esse problema, mas tão somente favorece o abafamento da região umbilical – o que deve ser evitado dado que a umidade e o calor são fatores propícios à proliferação de bactérias que poderão causar infecção umbilical, tétano neonatal e evoluir para o óbito (1-2).

Sabe-se que, por vezes, saberes empíricos de cuidado ao coto umbilical podem contribuir para a ocorrência de complicações graves que por certo comprometerão a saúde do RN. Portanto, torna-se de fundamental importância promover medidas preventivas que possibilitem a manutenção da sua saúde e do seu bem-estar. Assim, educar as mães e demais cuidadores sobre o cuidado com o coto umbilical e a modalidade adequada de banho poderá contribuir para a redução da morbimortalidade neonatal (3).

Nessa perspectiva, o desenvolvimento das atividades extensionistas no projeto “Programa Educativo: a saúde do coto umbilical”, desenvolvido em uma universidade do interior da Bahia, tem oferecido oportunidades de realizar ações educativas com as gestantes, puérperas e demais cuidadores com vistas à redução do tétano neonatal, onfalites e suas complicações. Durante a execução dessas ações, tornou-se possível perceber que muitos desses cuidadores, principalmente mães e avós, apresentam carência de informações sobre os conhecimentos que norteiam o cuidado adequado com o coto, por empregarem corriqueiramente práticas de cuidado permeadas de crendices e mitos que podem comprometer a saúde do RN.

Ressalta-se que durante a breve hospitalização pós-parto a puérpera recebe orientação e demonstração dos cuidados ao RN, porém ao retornar para sua residência após alta hospitalar a maioria delas não utiliza as orientações recebidas devido a sua pouca ou nenhuma experiência e ainda por precisar de repouso após o parto, delegando essas atividades para as mães ou sogras, ficando vulneráveis à influência cultural das pessoas mais velhas da família, que acabam se responsabilizando pelos cuidados a serem dados ao RN, em especial o banho e o tratamento do coto umbilical.

Nesse momento, as avós manifestam suas habilidades de cuidado cultural permeado de saberes, fruto de mitos e crendices, guardados em sua memória e que ao serem rememorados, utilizam os mais diversos tipos de materiais e substâncias – como pó de pena de galinha e de café; óleos de amêndoas, de rícino e de soja; talco, mercúrio, faixas, gazes e moedas – ao realizarem o cuidado com o coto umbilical, sendo que tais substâncias e materiais podem, conforme dito anteriormente, comprometer a saúde do RN a ponto de levá-lo ao óbito.

Há de se considerar que as avós constituem peça fundamental e sobressaem na transmissão de saberes culturais rememorados que se presentificam no cuidado do coto umbilical de seu neto recém-nascido por meio de uma memória herdada. Nesse contexto, entende-se que essa memória é marcada pela coletividade de um grupo ou grupos familiares, posto que se constitui em “uma corrente de pensamento contínuo de uma continuidade que nada tem de artificial, pois não retém do passado senão o que ainda está vivo ou é capaz de viver na consciência do grupo que a mantém” (4).

Destaca-se que para lembrar de acontecimentos vivenciados a pessoa necessita de ajuda de outrem, pois ainda que uma única pessoa estivesse envolvida em algum evento no qual some/nte ela viu ou participou, as lembranças são coletivas. Desse modo, a memória individual não pode ser distanciada da memória coletiva, visto que o indivíduo sozinho não tem o controle sobre o seu passado (4). Reforça-se que a pessoa idosa possui um lugar de honra e privilégio, que “desvela a beleza daquele que tem o poder de iniciar uma obra a que, certamente será continuada por seus descendentes” (5).

Assim, as lembranças de cuidado ao coto umbilical são rememoradas no seio de sua família, sendo as avós as guardiãs da tradição de uma memória de cuidados, daí a importância das ações de educação em saúde serem realizadas de forma permanente tanto no alojamento conjunto, quanto no domicílio e, principalmente, nos serviços de pré-natal, considerando que as infecções umbilicais trazem consequências patológicas graves, a exemplo de fasceíte necrotizante, mionecrose e abscessos hepáticos, dentre outros.

Nessa perspectiva, os mitos são fatores abrangentes que as avós transmitem para as suas filhas, noras e demais membros de sua comunidade por meio da oralidade e de suas práticas de cuidado. Portanto, são permeados por estoques religiosos, históricos, culturais, imaginários e costumes, conduzidos pela comunicação, possibilitando, assim, uma memória coletiva herdada.

Nesse sentido, compreende-se que a manutenção dessa memória e sua cristalização no imaginário coletivo pela oralidade encontrará, pois, um veículo poderoso que garantirá uma estreita relação entre o cuidado e o saber de uma dada comunidade (5). Desse modo, a transmissão de experiências e vivências entre as gerações estão atreladas à memória herdada de grupos de pertencimento (4).

Apesar dos avanços tecnológicos da saúde possibilitarem a descoberta de diagnósticos e de tratamentos de patologias com mais precisão e rapidez, ainda é insuficiente para abolir, em diferentes grupos populacionais, a presença de crenças e saberes populares vinculados à memória que é transmitida entre as gerações na perspectiva de manutenção da saúde (6).

OBJETIVO

Relatar uma experiência exitosa de educação em saúde com gestantes a partir do resgate da memória coletiva herdada de cuidado ao coto umbilical realizado pelas avós.

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência fundamentado no pensamento da memória coletiva, a partir de uma ação de educação em saúde denominada “práticas e saberes do cuidado com o coto umbilical e prevenção do tétano neonatal”, realizada por meio do projeto de extensão intitulado “Programa Educativo: a saúde do coto umbilical”, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, ocorrida em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) localizada em um município do interior da Bahia, Brasil. Participaram dessa ação vinte gestantes cadastradas no serviço de pré-natal dessa UBS, dentre as quais: primigestas e secundigestas, uma docente enfermeira e vinte acadêmicos de Enfermagem integrantes do referido projeto. Essa ação constituiu-se de uma oficina sobre o cuidado com o coto umbilical.

Antes de dar início às atividades, as gestantes foram informadas da fundamental importância da sua participação para o sucesso do aprendizado. Foi utilizada a metodologia participativa, por acreditar-se que favorece a relação entre educador e educando, ao tempo em que permite que todos se envolvam no processo de aprendizagem e obtenham êxito. Esse instrumento metodológico possibilita aos participantes a troca de informações para esclarecimentos de dúvidas e maior segurança nos questionamentos das temáticas propostas (7), ou seja, promove o intercâmbio de saberes e experiências relativas ao cuidado com o coto umbilical e maior fixação do aprendizado, por meio do diálogo.

Durante o desenvolvimento das atividades educativas, as temáticas abordadas foram onfalites, tétano neonatal (“mal dos sete dias”), banho e imunização do RN e o cuidado com o coto umbilical com vistas a possibilitar esclarecimentos de dúvidas acerca dos mitos e das crendices que rodeiam essa prática realizada pelas cuidadoras habituais. Ademais, alguns recursos como cartazes, álbum seriado, amostras de álcool a 70%, manequim infantil em tamanho real para simulação da prática de cuidado do coto, folder educativo, revista, gaze e banheira, foram utilizados como complemento dessas atividades de ensino.

Ao término da ação educativa promoveu-se um momento de avaliação, a fim de que as puérperas pudessem expressar seus sentimentos em relação à aprendizagem adquirida, a qual fora bastante animadora e motivadora, vez que verbalizaram o interesse em cuidar pessoalmente do coto umbilical de seus filhos, além de lamentarem a não participação das avós por entenderem que essa experiência poderia ser uma forma de sensibilização, com consequente mudança de pensamento de sua memória.

RESULTADOS

As atividades educativas tiveram início com uma dinâmica de demonstração pelas gestantes da forma como pretendiam realizar o cuidado com o RN, comprovando ser o banho úmido e o banho de imersão com água procedimentos que seriam utilizados nas suas residências. Posto isso, foram enfatizados pelos facilitadores os banhos em água corrente e o banho de imersão com utilização de água limpa para o enxágue do RN, além da limpeza do coto umbilical com álcool etílico 70%, secagem adequada sem utilização de cinteiro e colocação de fraldas de maneira correta.

Assim, quando questionadas sobre quem cuidaria do coto umbilical dos filhos nos primeiros dias de vida as gestantes responderam que seriam as avós maternas, evidenciando claramente em seus relatos os saberes empíricos utilizados por essas avós na realização desse cuidado e o fortalecimento desses saberes – o que justifica a continuidade da memória coletiva herdada.

Desse modo, as participantes explicitaram nos seus discursos que as avós são as principais cuidadoras do coto umbilical no seio familiar e que utilizam seus saberes populares adquiridos de gerações anteriores, a exemplo de não molhar o coto, colocar pó de pena de galinha torrada e óleo de amêndoas na base e utilizar a faixa umbilical após a queda. Além disso, descreveram a prática de manter o RN 24 horas no quarto da genitora no sétimo dia de vida sem tomar banho e sem recebimento de visitas de pessoas que residem em outros ambientes, justificando que tais procedimentos se deviam ao fato de prevenir o adoecimento seguido de óbito neonatal.

Procedeu-se, então, à apresentação dos temas de forma dinâmica e lúdica, estabelecendo um diálogo com as participantes, de modo que elas tivessem maior compreensão das temáticas abordadas e mencionassem suas memórias de cuidado ao coto umbilical.

A maioria das gestantes refletiu sobre o cuidado com o RN ao demonstrar interesse no esclarecimento de dúvidas, em especial na limpeza do coto, confirmando ser essa estrutura alvo de mitos, medos e crendices. Foi evidenciado ainda por meio de suas falas que não tinham conhecimento do cuidado adequado, dado que não sabiam manipular o coto, nem desenvolver sua prática de cuidado, assim como desconheciam o álcool etílico 70% como o antisséptico recomendado cientificamente.

DISCUSSÃO

Embora os profissionais de saúde preconizem e estimulem constantemente que a prática do banho do RN deva ser realizada diariamente e sempre que necessário, dado que proporciona a limpeza da pele e do coto umbilical, conforto, bem-estar e beneficia o funcionamento do sistema circulatório (8), percebeu-se por meio das falas que a maioria das gestantes tem certa dificuldade e temor para realizar tanto a higiene do coto, quanto o banho, sendo, por isso, influenciadas por familiares, em especial as avós e, em menor fração, os vizinhos mais próximos.

Em meio aos relatos, foi possível perceber que ao manterem o RN no quarto por 24 horas no sétimo dia de vida, tanto as avós cuidadoras como as gestantes pareciam desconhecer a eficácia da vacina contra o tétano neonatal, vez que as participantes apresentaram como justificativa que essa medida previne o “mal de sete dias”. Portanto, era visível a lacuna nos seus conhecimentos no que tange ao cuidado do coto e banho do RN, reforçando a necessidade do desenvolvimento de ações educativas com enfoque nas onfalites e tétano neonatal.

Como medida fundamental de prevenção desta doença, destaca-se a vacina toxóide tetânica que toda mulher em idade fértil, grávida ou não, entre 10 a 49 anos, deve fazer uso, além da higiene do coto umbilical de forma correta, visto que o Clostridium tetani está presente não somente nos objetos metálicos contaminados e enferrujados, mas em diversos ambientes, inclusive nas mãos daquele que manipula o coto (9), reforçando a necessidade de que os profissionais tenham maior envolvimento e compromisso com as ações educativas, com a finalidade de intensificarem as orientações de cuidado a essa estrutura.

Desse modo, as mães devem ser esclarecidas que ao perceberem qualquer sinal de infecção na base do coto umbilical (odor fétido, hiperemia, exsudato, sangramento), devem procurar imediatamente o profissional de saúde para aplicar o tratamento adequado (2), o que aponta para o fato de a educação em saúde ser uma prática que deve ser utilizada como reforço de ensino-aprendizagem capaz de produzir, na gestante e demais cuidadoras, maior compreensão acerca das orientações de cuidado, com destaque para a importância da imunização contra o tétano neonatal.

As ações educativas em saúde são consideradas fundamentais por proporcionar aproximação entre profissional da saúde, em especial o enfermeiro, e comunidade cuidadora do coto umbilical (gestantes, puérperas e familiares). Sua potencial capacidade desperta no indivíduo o desejo de mudança de comportamento e hábitos de cuidado ao conduzi-lo à reflexão de suas práticas e à percepção da necessidade de obtenção de melhor qualidade de vida, posto que a educação de forma continuada promove saúde e bem estar, devendo, portanto, ser realizada durante o atendimento no serviço de pré-natal, estendendo-se à unidade de alojamento conjunto e ao domicílio para “detecção de práticas que predispõem à doença, bem como para a atualização do calendário vacinal, tanto da mãe quanto da criança” (9).

Embora as gestantes recebam dos profissionais alguma orientação, é sabido que geralmente elas não as assimilam na sua totalidade por estarem vivenciando uma fase que possibilita a vulnerabilidade no seu estado psíquico e, assim, acabam por absorver as informações fornecidas pelos seus familiares e demais pessoas do seu grupo de pertencimento (8), demonstrando sobremaneira a credibilidade que tem as crendices no cuidado do coto. As gestantes deste estudo priorizaram as avós de RN como cuidadoras eleitas para esse cuidado.

Na existência de confrontos entre o saber popular e o saber científico, é possível ocorrer prejuízos ocasionados por condutas que comprometem o bem-estar dos seres humanos quando submetidos ao primeiro saber. Assim, há de se considerar que os saberes populares de avós perpassados para suas filhas e noras, de certo modo não visam os riscos e danos que eles podem causar à saúde e ao bem-estar do RN. Por conseguinte, é mister que as ações educativas sejam valorizadas e trabalhadas de forma que as gestantes sejam sensibilizadas a ponto de refletirem sobre a saúde do seu filho, a importância do cuidado ao coto umbilical e as consequências caso ele não seja realizado de forma adequada (8).

Nesse contexto, o indivíduo é um ser que percebe e age de acordo com a sua cultura, se modifica com os resultados das suas experiências e com o ambiente, carregando consigo um saber popular transmitido de geração para geração entre os membros familiares, cuja conduta pode ser modificada de acordo com as necessidades do presente; porém os idosos, de maneira geral, resistem à mudança de sua cultura (5) e, como depositários de uma experiência, transferem aos jovens que os ouvem atentamente seu saber e sua sapiência, confirmando assim a construção da memória coletiva herdada para manter viva a existência de suas lembranças (mitos, tabus, entre outros) de um passado presente.

Nessa perspectiva, percebe-se que as avós são figuras importantes no cuidado domiciliar e se destacam como “fontes de apoio nos momentos de dificuldades no contexto familiar”, exercendo influência sobre seus descendentes, cuidando com suas práticas culturais (10), principalmente de suas filhas e noras, na fase puerperal e dos netos recém-nascidos e, ao rememorarem cotidianamente o cuidado do coto umbilical transmitem suas memórias permeadas de saberes valorizados e respeitados no espaço domiciliar. Por conseguinte, é com ajuda de outras pessoas de seu grupo de pertença que as avós evocam o seu passado, posto que nenhuma lembrança existe sem que haja essa interação (4).

Reafirma-se, portanto, que os mitos, as crenças e as crendices são fatores culturais que as avós compartilham com as gerações familiares, que absorvem as orientações seguindo um ritual de cuidado. É nesse momento que os profissionais de saúde devem intervir na perspectiva de acionar as ações educativas com vistas à promoção da melhoria da qualidade de vida do RN e da sua família, atentando-se para os limites e perigos que determinados conhecimentos empíricos podem gerar à saúde. Compreende-se, portanto, que as avós são disseminadoras destes saberes que influenciam as suas filhas e noras na prática do cuidado ao coto umbilical, possibilitando, sobremaneira, a sustentação de uma memória coletiva herdada.

Limitações do estudo

Entende-se que o estudo teve como limitação a não participação das avós cuidadoras na oficina realizada, pois, do contrário, certamente teriam tido a oportunidade de refletir sobre as questões abordadas e quiçá virem a apresentar mudanças de comportamento no cuidado com o coto umbilical – até porque sabe-se que a memória é seletiva e só apreende aquilo que lhe interessa, o que também foi percebido pelas próprias gestantes no momento da avaliação da oficina.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política

A partir dessa experiência exitosa, a enfermagem tem a possibilidade de desenvolver ações educativas que visem à melhoria do atendimento aos recém-nascidos, com implementação de política específica a essa clientela, especialmente no que se refere ao cuidado ao coto umbilical, na perspectiva da redução do tétano-neonatal e onfalites.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ações educativas sobre o cuidado do coto umbilical devem ser desenvolvidas pelo profissional da área de saúde, sobretudo pelo enfermeiro que atua no serviço de pré-natal, mediante a utilização de estratégias que possibilitem a prevenção de agravos e contribuam para a redução do tétano neonatal, onfalites e suas complicações. Assim, compreende-se que as atividades educativas realizadas pelos membros do projeto “Programa Educativo: saúde do coto umbilical” com as participantes deste estudo permitiram o diálogo entre o conhecimento científico e o saber popular, os quais são fundamentais para a construção de novos conhecimentos com vistas à saúde da criança.

No cuidado ao RN, é de fundamental importância que os profissionais da saúde conheçam os mitos, as crenças e os tabus que permeiam o cuidado do coto umbilical, a fim de desenvolverem ações educativas em saúde com as gestantes, puérperas e os familiares, sem, contudo, desfazer e/ou descartar a cultura popular oriunda de uma memória coletiva herdada.

Assim, os profissionais da saúde, principalmente os enfermeiros, devem voltar a atenção não somente para as gestantes e puérperas, mas também para as avós cuidadoras do coto umbilical de RN, pois são elas a memória do grupo de seu pertencimento, o elo existente entre seus membros, entre o passado e presente, responsável pela manutenção de uma identidade construída ao longo das gerações. Seus saberes de cuidado popular são respeitados e irradiam no seu meio social, tornando cada vez mais viva as suas lembranças de cuidado postas em práticas.

Compreende-se a importância das avós, pretensas cuidadoras do coto umbilical, serem incluídas nas sessões de educação em saúde com as gestantes e puérperas, pois ao receberem orientações de cuidado por parte dos enfermeiros, certamente irão disseminar as informações apreendidas durante o diálogo. Percebe-se, portanto, a real necessidade de sensibilizar e educar todas as pessoas envolvidas no cuidado ao coto umbilical, no sentido de que possam conhecer e refletir sobre os riscos e danos que certos conhecimentos empíricos podem causar à saúde do RN, particularmente à saúde do coto umbilical.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2018
  • Aceito
    23 Abr 2019