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» Volume 72

Número suppl.3

http://dx.doi.org/

Fatores associados para lesão renal aguda em recém-nascidos prematuros

RESUMO

Objetivo:

analisar a prevalência e fatores associados à lesão renal aguda em recém-nascidos prematuros.

Método:

estudo transversal realizado a partir de dados de prontuários de recém-nascidos prematuros internados em duas unidades neonatais do noroeste paranaense em 2015. Para análise dos dados, utilizou-se o modelo de regressão logística pelo método stepwise forward e Teste Exato de Fisher.

Resultados:

foram internados 132 prematuros, com prevalência de 7,5% de lesão renal aguda. Maioria do sexo masculino, prematuros extremos e com muito baixo peso ao nascer. Os fatores associados foram o uso de antibióticos não nefrotóxicos e a presença de ventilação pulmonar mecânica, aumentando em 2,98 e 1,33/dia a chance do desenvolvimento de lesão renal aguda, respectivamente. Os dias de hospitalização constituíram fator de proteção.

Conclusão:

este estudo foi capaz de identificar a prevalência e delinear as variáveis associadas à ocorrência de lesão renal aguda em recém-nascidos prematuros numa determinada realidade assistencial.

Descritores:
Lesão Renal Aguda; Recém-Nascido Prematuro; Unidade de Terapia Intensiva Neonatal; Recém-Nascido; Serviços de Saúde da Criança

ABSTRACT

Objective:

to analyze the prevalence and factors associated with acute kidney injury in preterm newborns.

Method:

a cross-sectional study based on records data of preterm newborns hospitalized in two neonatal units in northwest Paraná State in 2015. For data analysis, the logistic regression model was used by the stepwise forward method and Fisher’s Exact Test.

Results:

132 preterm newborns, with a prevalence of 7.5% of acute kidney injury, were hospitalized. Majority of males, extremely preterm and very low birth weight. Associated factors were the use of non-nephrotoxic antibiotics and the presence of mechanical pulmonary ventilation, increasing the chance of developing acute kidney damage by 2.98 and 1.33/day, respectively. Hospitalization days constituted a protection factor.

Conclusion:

this study was able to identify the prevalence, and outline the variables associated with acute kidney injury in preterm newborns in a particular care situation.

Descriptors:
Acute Kidney Injury; Infant; Premature; Intensive Care Units; Neonatal; Newborn; Child Health Services

RESUMEN

Objetivo:

analizar la prevalencia y factores asociados a la lesión renal aguda en recién nacidos prematuros.

Método:

estudio transversal realizado a partir de datos de prontuarios de recién nacidos prematuros internados en 2 unidades neonatales del noroeste del estado de Paraná en 2015. Para el análisis de los datos, se utilizó el modelo de regresión logística por el método stepwise forward y Test Exacto de Fisher.

Resultados:

fueron internados 132 prematuros, con prevalencia del 7,5% de lesión renal aguda. La mayoría era del sexo masculino, prematuros extremos y con muy bajo peso al nacer. Los factores asociados fueron el uso de antibióticos no nefrotóxicos y la presencia de ventilación pulmonar mecánica, aumentando en 2,98 y 1,33/día la posibilidad del desarrollo de lesión renal aguda, respectivamente. Los días de hospitalización constituyeron un factor de protección.

Conclusión:

este estudio fue capaz de identificar la prevalencia y delinear las variables asociadas a la ocurrencia de lesión renal aguda en recién nacidos prematuros en una determinada realidad asistencial.

Descriptores:
Lesión Renal Aguda; Recién Nacido Prematuro; Unidad de Cuidado Intensivo Neonatal; Recién Nacido; Servicios de Salud Infantil

INTRODUÇÃO

Cerca de 15 milhões de bebês nascem prematuros a cada ano, representando mais de um em cada dez nascimentos. A prematuridade e suas complicações geram problemas de saúde, tanto a curto como a longo prazo, constituindo-se como um importante preditor de morbimortalidade neonatal (1-2). O nascimento prematuro aumenta o risco de adaptação à vida extrauterina, podendo levar a uma série de complicações após o nascimento, tais como alterações no desenvolvimento neurológico, alterações motoras, cognitivas, atraso de linguagem, problemas comportamentais e sociais, baixo rendimento escolar (3), além de reinternações durante o primeiro ano de vida e maiores taxas de morbimortalidade (4).

Entre as complicações do nascimento prematuro, destaca-se a Lesão Renal Aguda (LRA) potencializada pela imaturidade anátomo-fisiológica do rim do prematuro. A LRA é definida como a diminuição da função renal que incapacita o rim de manter suas atividades endócrinas e exócrinas, bem como a eliminação dos compostos descartados pela filtração. Ficam, assim, comprometidas as funções de produção e concentração urinária, homeostase dos líquidos corporais, manutenção do equilíbrio ácido básico do organismo estando associada à diminuição aguda da taxa de filtração glomerular e da função tubular renal. Nos recém-nascidos (RN), o quadro é caracterizado laboratorialmente pelo aumento progressivo e reversível dos níveis séricos de creatinina (5-9).

A LRA é uma patologia de origem multifatorial, cuja origem nos recém-nascidos prematuros (RNPT) está relacionada a inúmeros fatores de risco, dentre eles, o baixo peso ao nascer (<2.500g) (10), a baixa pontuação do Apgar, a intubação ao nascimento, a síndrome da angústia respiratória, congestão cardíaca, anomalias congênitas (11), administração de determinados medicamentos (12), persistência do canal arterial, sepse neonatal, choque (7), hiperbilirrubinemia (13), intervenções cirúrgicas (14), malformações renais, dentre outros (9).

Estudos demonstram que a LRA se desenvolve em aproximadamente 8 a 24% de todos os neonatos admitidos na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), e as taxas de mortalidade podem alcançar entre 14 e 73% dos casos (10-11,13).

Considerando as características da LRA em RN, sua prevenção consiste em evitar medidas que possam potencializar o seu aparecimento, devendo ser dispensada atenção especial às inúmeras medicações utilizadas pelo RNPT, evitando quadros de desidratação e otimizando as condições clínicas favoráveis do paciente (10). Seu tratamento baseia-se no suporte nutricional, administração de medicamentos minimizando sempre que possível os fatores de risco, e visando o reestabelecimento da função renal e a compreensão quanto a necessidade de medidas de creatinina e volume urinário (15).

Neste cenário, conhecer os fatores relacionados à ocorrência de LRA em prematuros é importante para melhorar a compreensão acerca dessa patologia e suas implicações, reduzindo, assim, as repercussões clínicas que podem afetar a sobrevida e a qualidade de vida dos RNPT.

OBJETIVO

Analisar a prevalência e fatores associados ao desenvolvimento de LRA em RNPT.

MÉTODO

Aspectos éticos

Essa pesquisa respeitou todos os preceitos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos, tendo aprovação ética do projeto, conforme Parecer 1.453.690/2016. Por se tratar de uma pesquisa de caráter documental, foi solicitada e autorizada a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo quantitativo, transversal e retrospectivo realizado a partir da obtenção dos dados dos prontuários de RNPT internados em duas Unidades de Terapia Intensiva localizadas na região Noroeste do estado do Paraná, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2015. A coleta dos dados aconteceu no primeiro semestre de 2016. Na região, há três UTIN de referência para assistência ao neonato enfermo e/ou prematuro, porém uma não aceitou participar da pesquisa.

O hospital A é uma instituição pública e de ensino com 123 leitos, referência regional para diversas especialidades. A UTIN deste hospital foi inaugurada em 1998, dispondo atualmente de seis leitos de Terapia Intensiva Neonatal e quatro leitos de Unidade Semi-Intensiva. Já o hospital B é uma entidade filantrópica com 180 leitos, e a UTIN/Pediátrica deste serviço conta atualmente com 12 leitos para o atendimento de bebês e crianças com idade até 12 anos.

População e critérios de elegibilidade

Foram analisados os RNPT que se enquadrassem nos seguintes critérios de elegibilidade: serem prematuros (idade gestacional menor que 37 semanas) e terem sido internados nas Unidades de Terapia Intensiva estudadas no ano de 2015. Não houve critérios de exclusão, uma vez que todos os RNPT abaixo de 37 semanas tiveram os dados de seus prontuários analisados para os devidos fins da pesquisa.

Protocolo do estudo

Para investigar a variável de desfecho/dependente LRA, considerou-se como resposta a existência ou não de LRA durante a internação. As variáveis independentes referentes ao histórico de nascimento e à evolução do RNPT durante a internação foram: sexo (feminino e masculino), tipo de parto (vaginal e cesárea), idade materna, número de consultas de pré-natal, idade gestacional (prematuro extremo < 28 semanas; muito prematuro – 28 a < 32 semanas; prematuro moderado/tardio – 32 a <37 semanas), peso ao nascimento (<1.500 gramas; 1.500 a <2.500 gramas; ≥2.500 gramas), Apgar no quinto minuto (<7 e ≥7), realização de manobra de reanimação na recepção ao nascimento (registro de eventuais manobras realizadas por ocasião do nascimento – sim e não), dias em uso de ventilação pulmonar mecânica (VPM), dias em uso de oxigênio suplementar, dias em uso com cateter umbilical, dias em uso de Cateter Central de Inserção Periférica (PICC), uso de antibiótico (sim e não) e por quanto tempo foi utilizado, tempo de internação em dias, Idade Gestacional Corrigida (IGC) (registro da IGC no momento da alta) e peso de alta (registro do peso final adquirido durante a hospitalização).

Os dados coletados dos prontuários foram registrados em instrumento próprio elaborado pelas autoras, especificamente, para o estudo. A fim de manter a organização dos dados, os mesmos foram transferidos para planilha do Microsoft Excel versão 2013.

Análise dos resultados e estatística

Para análise dos dados, foi utilizado o modelo de regressão logística binária múltipla. Utilizou-se o método stepwise forward (análise univariada, comparação de modelos e análises de diagnóstico) (16), por meio dos softwares SAS e R, com o objetivo de obter os valores das estimativas e de razão de chances ajustadas (ORaj), com intervalo de confiança de 95%. Para as variáveis categóricas, procedeu-se com o Teste Exato de Fisher, uma vez que as frequências observadas foram inferiores a cinco.

RESULTADOS

Foram analisados todos os dados dos prontuários de RNPT internados nas UTIN dos dois hospitais estudados no ano de 2015 (132 nascidos prematuros). No hospital A, foram internados 106 RN, sendo 72 RNPT (54,5%). Já no hospital B, foram internados 168 pacientes (RN e crianças), sendo 60 RNPT (45,4%). Neste estudo, 10 prematuros apresentaram LRA, representando uma prevalência de 7,5%, o que equivale a 5,3% dos RNPT com LRA no hospital A e 2,2% dos RNPT com LRA no hospital B.

Em relação às características dos RNPT, 58,3% eram do sexo masculino, 60,6% eram prematuros moderados/tardios, seguidos de recém-nascidos muito prematuros (22,0%) e prematuros extremos (13,6%), e 6,8% apresentaram Apgar abaixo de 7 no quinto minuto de vida. Entre os bebês que apresentaram LRA, 70% eram do sexo masculino, 90% foram classificados como baixo peso e 20% apresentaram Apgar menor que 7 no quinto minuto de vida (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos recém-nascidos prematuros, segundo diagnóstico de Lesão Renal Aguda, Maringá, Paraná, Brasil, 2016

Com relação às medidas descritivas das variáveis quantitativas, os bebês com diagnóstico de LRA ficaram internados em média 47,6 dias, com coeficiente de variação de 93,0%. Em contrapartida, os RN sem a doença tiveram uma média de 26,39 dias de internamento. No que se refere ao peso ao nascimento, a média de peso dos bebês com LRA foi de 1.394,5 gramas, enquanto entre os bebês sem LRA foi de 1.846,8 gramas (Tabela 2).

Tabela 2
Medidas descritivas das variáveis quantitativas, conforme a presença ou ausência de Lesão Renal Aguda nos recém-nascidos prematuros, Maringá, Paraná, Brasil, 2016
Tabela 3
Análise univariada das características do nascimento e evolução do recém-nascidos prematuros durante a internação, Maringá, Paraná, Brasil, 2016
Tabela 4
Regressão logística dos fatores associados à Lesão Renal Aguda em prematuros, Maringá, Paraná, Brasil, 2016

Quanto às características da gestante, as mães que tiveram bebês com LRA apresentaram faixa etária média de 21,7 anos, enquanto as mães dos bebês sem a doença possuíam idade média de 25,6 anos. A média de consultas de acompanhamento pré-natal realizadas pelas mães dos RNPT com LRA foi de apenas 4,6 consultas, enquanto as mães dos RNPT sem a patologia apresentaram média de 6,9 consultas de pré-natal.

Neste estudo, foi possível constatar que a grande maioria dos RNPT (70,4%) fez uso de antibiótico durante a hospitalização. Com relação aos RNPT com LRA, todos fizeram uso de antibiótico. O uso mínimo foi de um tipo de antibiótico por bebê, sendo que o máximo encontrado foi de oito antibióticos diferentes utilizados por um mesmo prematuro. Praticamente todos os RNPT com LRA (90%) fizeram uso de antibióticos nefrotóxicos (Tabela 2).

O uso de medicação foi analisado separadamente, classificando os antibióticos em nefrotóxicos e não nefrotóxicos. Os antibióticos nefrotóxicos mais usados entre os RNPT foram a gentamicina (aminoglicosídeo), a amicacina (aminoglicosídeo), o cefepime (cefalosportina) e a vancomicina (glicopeptídeo). Os outros antimicrobianos utilizados pelos RNPT foram penicilicina, aztreonan, oxacilina, meropenen, tazocin, ampicilina, linezolida, teicoplanina, metronidazol, fluconazol e micafungina (dados não apresentados em tabela).

No presente estudo, verificou-se ainda que, durante o ano de 2015, houve 18 óbitos (13,6%) dentre os 132 RNPT pesquisados. Destes óbitos, três (16,6%) tiveram LRA como causa constada em declaração de óbito, além de hemorragia pulmonar e falência múltipla de órgãos (dados não apresentados em tabela).

Após a realização das médias das variáveis de forma independente, foi utilizado o Teste Exato de Fisher para calcular a probabilidade de associação das características em análise. Na análise univariada, foram associados à ocorrência de LRA, idade gestacional, peso ao nascimento, VPM, uso de oxigênio, PICC, dias de internação, antibióticos nefrotóxicos e antibióticos não nefrotóxicos. Além disso, as variáveis Cateter umbilical e idade materna também foram incluídas no modelo múltiplo, pois apresentaram p-valor inferior a 0,25.

Após análise de regressão logística, os fatores significativos independentes associados ao desenvolvimento de LRA em RNPT foram: uso de antibióticos não nefrotóxicos (ORaj=2,98; IC=1,2901-6,9005), ou seja, uma quantidade a mais de antibiótico não nefrotóxico aumenta em 2,98 a chance de o bebê vir a adquirir LRA; presença de VPM (ORaj=1,32; IC=1,0787-1,6317), mostrando que a cada dia adicional de utilização de VPM, há um aumento de 1,33 de chance de adquirir LRA. Por outro lado, os dias de permanência hospitalar constituíram fator de proteção, demonstrando que a adição de um dia de permanência ou internação reduzia em 0,89 a chance de apresentar LRA. Com relação à covariável procedência, ainda que não tenha sido considerada significativa, foi mantida no modelo. Esta opção se deu ao verificar-se que, com a presença da mesma, o erro-padrão das outras diminuía, ou seja, essa variável ajustava o modelo.

DISCUSSÃO

No presente estudo, a taxa de RNPT com LRA foi 7,5%, valor este que se assemelha à grande parte dos estudos internacionais que apontam uma prevalência de LRA em neonatos, com variação entre 6,3% e 8,4% (7-8,11,14). Vale destacar que a grande maioria das pesquisas que investigaram a presença da LRA na população neonatal, o fizeram sem classificar os RN de acordo com a idade gestacional.

A partir da análise dos resultados deste estudo, observou-se que a prevalência de LRA foi mais presente em prematuros extremos, ou seja, menores que 28 semanas de idade gestacional e em RNPT menores que 1.500 gramas. Encontrou-se também que o uso de VPM e de antibióticos não nefrotóxicos são fatores que aumentam a chance do prematuro vir a ter LRA. Por outro lado, verificou-se que ter mais dias de permanência durante a hospitalização representou um fator de proteção em relação à LRA, ou seja, neste estudo, quanto mais dias o RNPT permanecia internado, menores eram as chances de desenvolver um quadro de LRA.

Ao buscar relacionar a idade gestacional com o diagnóstico de LRA, foi possível constatar que a maior prevalência de LRA foi encontrada entre aqueles prematuros classificados como extremos (60%), ou seja, quanto menor a idade gestacional, maior o risco ocasionado pela imaturidade dos sistemas. Tal achado pode ser confirmado pela literatura, que estabelece que prematuros menores de 28 semanas são mais suscetíveis ao agravo devido à imaturidade renal (12). A menor idade gestacional encontrada na população investigada foi de 22 semanas e três dias, enquanto a maior foi de 36 semanas e seis dias. A prematuridade causa a interrupção da organogênese, prejudicando, assim, a adaptação natural à vida extrauterina, o que pode desencadear repercussões imediatas a curto e a longo prazo (17).

Devido à prematuridade, o rim imaturo é mais exposto aos efeitos da hipoperfusão e das altas taxas de resistência vascular. Deste modo, o fluxo renal é consideravelmente reduzido nos prematuros, o que potencializa a chance dessa população apresentar LRA em decorrência da isquemia renal (18). Cabe ressaltar o fato de que a imaturidade renal, do ponto de vista anatômico e fisiológico, torna mais difícil a vida extrauterina, prejudicada, por vezes, pela má nutrição, nefrotoxicidade medicamentosa e outras complicações presentes durante a hospitalização (19).

Ao se traçar comparações entre os dois grupos de bebês prematuros (RNPT), quais sejam, um grupo formado pelos RNPT diagnosticados com LRA e outro sem o referido diagnóstico, no que tange à idade gestacional, é possível perceber que a LRA esteve mais presente em prematuros com menor idade gestacional e também com baixo peso ao nascer. Os dados deste estudo possibilitaram inferir que quanto menor a idade gestacional e menor o peso ao nascimento, pior o prognóstico e as probabilidades dos RNPT de virem a desenvolver LRA.

O baixo peso ao nascer é definido como o peso de nascimento menor que 2.500 gramas, podendo resultar de Restrição de Crescimento Intrautero e/ou nascimento prematuro. Tanto o RNPT como o RN com baixo peso ao nascer apresentam dificuldades no processo de digestão e perdem mais peso nos primeiros dias de vida, devido ao não recebimento de aporte nutricional apropriado decorrente da imaturidade do sistema digestivo. RN com baixo peso ao nascer e idade gestacional menor que 32 semanas apresentam risco elevado de doenças renais, pelo número reduzido de néfrons. Estudos indicam ainda que esses mesmos bebês também são mais vulneráveis à hipertensão na vida adulta (19-20).

No que concerne aos procedimentos relacionados às manobras de reanimação, verificou-se a implementação de tais condutas em 60% dos RN com LRA. Dentre estes, constatou-se que 33,3% foram entubados ainda na sala de parto. Nota-se, no presente estudo, que os RN com LRA permaneceram por mais tempo em uso de VMP, quando comparados aos RN sem a patologia.

De acordo com a literatura, o número reduzido de reanimações em RN é considerado um fator de proteção ao bebê, visto que a reanimação pode causar danos e complicações graves, como pneumotórax, hemotórax, lacerações de fígado e esofágica, fratura de costelas e hemorragias, além de predispor à ocorrência de patologias a longo prazo, como displasia broncopulmonar, retinopatia da prematuridade e leucomalácia periventricular (21). Tais dados denotam a necessidade de atenção redobrada por parte dos serviços que assistem esta população, já que na maior parte das realidades assistenciais em que mais da metade dos RN com LRA acabam necessitando reanimação, tais manobras parecem ser largamente implementadas na prática intensivista.

A literatura mostra ainda que a lesão renal e a pulmonar podem estar inter-relacionadas nos bebês, visto que o rim exerce uma grande influência no equilíbrio sistêmico das citoquinas, grupo de proteínas responsável pelo crescimento celular, e que a isquemia renal provoca uma inflamação sistêmica, gerando uma resposta inflamatória em outros órgãos, principalmente no pulmão imaturo. Ademais, cabe ressaltar que o RNPT em VPM, apresenta instabilidade hemodinâmica, o que prejudica o débito cardíaco e piora a perfusão renal (22).

Com relação à variável tempo de internação, os bebês com diagnóstico de LRA ficaram internados em média 47,6 dias, com coeficiente de variação de 92,97%. Em contrapartida, os RN sem a doença tiveram uma média de 26,39 dias de internamento e um coeficiente de variação de 85,72%. Além disso, verificou-se que, com o aumento dos dias de internação, as chances de o bebê ter LRA diminuíram. Este episódio poderia ser explicado pelo fato de que, quanto maior o tempo de internação em uma UTIN, maior seria o tempo em que esse paciente, imaturo e frágil, estaria sendo assistido por aparatos tecnológicos necessários para sua sobrevivência, além de contar com uma equipe capacitada e especializada pronta para oferecer uma assistência imediata e qualificada.

Na contramão destes achados, um estudo realizado no Espírito Santo revelou que o tempo de internação estaria associado significativamente com o aparecimento de lesões de pele causadas pelo uso prolongado do CPAP. Constatou-se também que quanto menor a idade gestacional e o peso de nascimento, maiores seriam as chances para um prolongado tempo de internação, pela imaturidade dos órgãos (23). Outro estudo realizado em São Paulo com prematuros mostrou que RNPT internados por mais de 34 dias apresentaram atraso no desenvolvimento neuromotor, ou seja, quanto maior o tempo de internação para os prematuros, maior o comprometimento das funções motoras (24).

RNPT são mais propensos a infecções pela sua imaturidade. Nestes bebês, a imunidade é prejudicada pela diminuição da produção da citocina, pela redução em neutrófilos da expressão de moléculas de adesão e também pela resposta reduzida por fatores quimiotáticos. Outro fator importante é a passagem de anticorpos por via transplacentária, que começa a partir do segundo trimestre de gestação, atingindo níveis máximos no terceiro trimestre. Como consequência, os prematuros possuem resposta humoral reduzida, necessitando por vezes do uso de antibióticos (25). Neste quesito, os resultados encontrados no presente estudo demonstraram que a grande maioria dos RNPT com LRA fizeram uso de antibióticos, medicamentos que, sabidamente, causam efeitos tóxicos no rim, prejudicando ainda mais o rim imaturo.

Limitações do estudo

Dentre as limitações deste estudo, destaca-se o número limitado da amostra, aliado à incompletude dos registros hospitalares e à impossibilidade de coletar dados referentes à saúde materna na gestação, por não estarem presentes nos prontuários dos RNPT. Tratando-se de estudo com utilização de dados de prontuários como principal fonte de dados, foi possível evidenciar as diversas lacunas e falhas de registro que ainda persistem em nosso meio, o que dificulta a fiel avaliação das atividades realizadas e, consequentemente, a proposição de medidas de correção assertivas e pautadas em evidências clínicas confiáveis.

Além disso, tratando-se de uma pesquisa com foco no prematuro, os dados maternos analisados eram os dados presentes exclusivamente na ficha de nascimento do próprio RN, sendo assim, entendemos que a falta de dados maternos pode ser considerada uma limitação da presente pesquisa.

Contribuições para área da Enfermagem

A realização deste estudo permitiu constatar a importância de investigações que tenham como mote a LRA em RNPT, já que se trata de agravo clínico que tem nesta clientela uma população de vulnerabilidade incontestável e com potencial para o estabelecimento de evoluções desfavoráveis, que incluem desde sequelas desenvolvimentais permanentes até a morte.

Deste modo, o reconhecimento em profundidade dos fatores envolvidos para o desenvolvimento deste agravo são elementos importantes para a proposição de modificações nas práticas voltadas à redução das altas taxas de morbimortalidade da população neonatal.

Neste cenário, os resultados encontrados contribuem para a Enfermagem, ao trazer à tona elementos que delineiam o contexto assistencial neonatal, a partir de uma perspectiva pontual e focada na atenção aos RNPT que apresentam LRA. Assim, permitiu uma reflexão acerca das condutas atualmente adotadas nos serviços de neonatologia no cuidado destinado a essa clientela. Assim, muito embora não tenha sido foco do estudo, a avaliação dos protocolos de assistência neonatal, bem como os cuidados de enfermagem na administração de medicamentos, carece de atenção especial, indicando a necessidade de estudos futuros em prol de uma prática assistencial capaz de prevenir ou reduzir as iatrogenias e, assim, qualificar o cuidado integral no cenário da atenção intensiva neonatal.

CONCLUSÃO

O presente estudo trouxe ao centro dos debates a importância de se investigar a LRA em RNPT, por meio do delineamento das variáveis responsáveis pelo seu aparecimento em uma realidade assistencial específica. Não obstante os limites típicos de um estudo localizado, o estudo foi capaz ainda de delinear como está sendo implementada a assistência intensiva neonatal aos prematuros, a partir de uma perspectiva bastante particular, que foram os casos diagnosticados com LRA e sua relação com variáveis clínicas e assistenciais. Isso remete à necessidade das equipes de enfermagem e multiprofissionais de discutirem e revisarem protocolos e rotinas, tais como a administração de antibióticos e a monitorização de suporte ventilatório, face à sua associação com o aumento de risco para o desenvolvimento deste agravo.

Outros estudos que tratam sobre a temática da LRA em Neonatologia, bem como outros aspectos desta realidade assistencial complexa que é a UTIN, são necessários, de maneira a elucidar as lacunas assistenciais ainda existentes, e no sentido de trazer evidências científicas que propiciem a proposição de melhorias das rotinas atualmente instaladas.

  • FOMENTO
    Agradecemos ao apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelas concessões de bolsas de doutorado e pós-doutorado PNPD aos pesquisadores envolvidos durante a execução da pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2018
  • Aceito
    23 Set 2018